Título: Para Aragão, Lula permanece blindado por popularidade
Autor: Assef, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Caderno Especial, p. F5

Neste segundo governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu montar uma base política tão extraordinária quanto a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) em seu primeiro mandato. A opinião é do cientista político Murillo de Aragão, que iniciou sua apresentação sobre os desafios e as perspectivas do segundo mandato do presidente Lula, durante o 4º Congresso Anbid, explorando o aspecto conjuntural desta segunda fase de seu governo. Segundo Aragão, que lidera uma das principais empresas de análise da América Latina, a Arko Advice, com sede em Brasília, há um pacote de aspectos positivos para Lula. "Ele está blindado por uma popularidade muito grande, que é fruto de medidas como a manutenção da política econômica de FHC e a visível melhora no padrão de vida da classe baixa", afirmou Aragão. De acordo com ele, Lula está sob o "efeito teflon": as más notícias não o atingem neste momento. Por causa disso, avalia Aragão, no cenário político, a oposição perdeu a verba e o verbo. A análise de Aragão ganha ainda mais peso pois é feita em um momento crucial para a avaliação do risco Brasil.

Segundo a sua análise, se depender do momento atual do governo Lula, o Brasil está a um passo do grau de investimento. "Caso não aconteça nenhum fato inesperado, a tendência é a de que o presidente continue com alta popularidade a curto e médio prazo, especialmente entre as classes média e baixa", afirmou o cientista político. Entre os motivos para isso, Aragão cita a criação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) que deve orientar o governo e o mundo político na direção do crescimento, além de limitar a quantidade de erros no governo e de definir uma agenda de investimentos. Aragão ressalta, porém, que o PAC tem problemas na sua concepção como, por exemplo, a pouca participação da iniciativa privada.

Outra crítica de Aragão é quanto a uma característica que, segundo ele, faz parte do perfil do político brasileiro: a complacência. Na sua análise, o Brasil reage bem a situações inesperadas ou de crise, mas não faz isso voluntariamente e, sim, apenas quando é pressionado. Para ele, este é um dos principais motivos para a letargia na resolução de problemas fundamentais que iriam acelerar a chegada do Brasil ao grau de investimento. "Questões como o respeito à propriedade intelectual já deviam estar resolvidas há muito tempo".

Além disso, o líder da Arko aponta a lentidão em se realizar as reformas necessárias, a começar pela política. "A verdade é que temos um sistema político podre. Ele não está decadente, ele é decadente." De qualquer forma, segundo ele, o governo Lula aprendeu a lidar com este "sistema doente", principalmente agora neste segundo mandato. Aragão ressaltou que, na semana passada, na calada da noite e em plena crise que envolveu o presidente do Senado, Renan Calheiros, o Senado aprovou um aumento no salário dos senadores. De acordo com Aragão, isso é mais um sinal de que não haverá consenso para a aprovação de mudanças na política "com este Congresso que está aí."

Entre os principais desafios do presidente Lula, o cientista político apontou a aprovação da renovação da CPMF. Porém, o movimento Xô CPMF, que reúne várias entidades de classe, políticos, profissionais liberais, entre outros, pode trazer dificuldade para que a Emenda Constitucional da CPMF seja aprovada este ano. "Mas com a sua base política atual no Congresso, o governo tem condições de aprovar isso", afirmou ele. Ao avaliar o impacto do episódio Renan Calheiros, Aragão citou uma frase do Conselheiro Ayres, personagem de Machado de Assis no livro "Esaú e Jacó": "O imponderável sempre tem o voto decisivo na assembléia dos acontecimentos."

Aragão também citou alguns eventos que podem vir a causar impactos no céu de brigadeiro do governo Lula. O primeiro é a questão da Bolívia, que enfrenta uma forte pressão da área mais rica do país, a região de Santa Cruz de La Sierra, pela sua autonomia. "A hipótese de uma guerra civil é remota mas não pode ser desprezada", afirmou ele. E o segundo evento é um possível apagão energético. Na avaliação de Aragão, o Brasil vive uma situação muito insegura neste quesito, pois tem de contar com uma chuva acima da média para que não haja problemas de abastecimento em dois, três anos.

O cientista político lembrou ainda que 2008 é ano de eleições municipais e, de acordo com ele, entre 100 e 150 deputados devem concorrer nos seus Estados de origem. "Isso significa que, no ano que vem, essa turma vai fugir de qualquer debate mais polêmico, como a votação de reformas", disse ele. Quanto a um possível terceiro mandato de Lula, Aragão acredita que isso não ocorra de maneira alguma. Ele avalia, porém, que Lula não tem claramente um candidato: "o pipeline de produção de candidatos é lento e a ausência desta figura foi boa para Lula porque deixou de existir uma sombra que iria acompanhá-lo durante todo o segundo mandato. Mas para a 'entourage' de Lula é ruim, pois pode haver uma derrota do partido." De uma maneira geral, Aragão prevê para este segundo mandato do governo Lula um "tempo bom, com nebulosidade e algumas pancadas de chuva e trovoadas."