Título: Economia com dívida vai sinalizar o futuro do país
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Caderno Especial, p. F6

O que o governo brasileiro vai fazer com o dinheiro que começa a economizar com o serviço da dívida? A questão foi levantada pelo economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para um público de cerca de 600 gestores de carteiras do Brasil e do exterior que participou do 4º Congresso da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid).

Esta é uma das perguntas mais importantes do debate econômico atual. A resposta será um sinalizador relevante para avaliar o risco Brasil nos próximos anos. Se optar por reduzir sua dívida com a economia de dinheiro que passa a fazer com o pagamento de juro, o governo estará sinalizando um futuro mais promissor para o país, com o crescimento sustentado.

No entanto, se o caminho escolhido for o de expansão dos gastos públicos a temporada de otimismo pode chegar a um esgotamento mais rápido do que o esperado. Durante todo o Congresso Anbid ficou evidente a preocupação dos gestores de carteira com o aumento dos gastos públicos e é certo que essa é uma variável que está no radar desses agentes financeiros.

Isso porque, a responsabilidade fiscal é uma variável chave para aumentar ou reduzir a confiança do investidor em qualquer economia no mundo e a velocidade do endividamento é, portanto, acompanhada com lupa.

Note que esse investidor não estará mais atrás dos papéis do governo de renda fixa com as exorbitantes taxas de juro. Agora se trata de um capital mais perene, que faz investimentos em expansão e modernização da produção e, portanto, precisa enxergar a viabilidade do Brasil no longo prazo. Uma economia em crescimento robusto é função de investimentos pesados na produção, que só chegarão se esses investidores tiverem, portanto, confiança no país.

O esforço fiscal do governo tem contribuído pouco para a redução da dívida. Dentre os fatores condicionantes da dívida líquida do setor público, Castelar destacou em sua apresentação o ajuste cambial, que registrou uma variação negativa de 5,5% do PIB e quase empata com a variação total da dívida líquida do setor público no período de 2002 a 2006, que foi negativa em 5,6%. Portanto, o esforço fiscal efetivamente é de apenas 0,1% do PIB.

Um dado importante apresentado pelo economista Armando Castelar foi o índice de produtividade do trabalhador brasileiro que caiu drasticamente em mais de 20 anos. A relação PIB/trabalhador no Brasil que chegou a ser de 4,5% nos período de 1947 a 1960, caiu para 0,5% no período de 1995 a 2006.

"A produtividade do trabalhador está crescendo pouco porque o investimento em capital está caindo", diz Castelar. Nos Estados Unidos dos anos 90, década em que a economia americana apresentou taxas espetaculares de crescimento, a produtividade do trabalhador americano era de 3,5%.

"Ter uma produtividade abaixo de 2,5% é preocupante", afirma Castelar. O que ocorreu é que o Brasil, diz Castelar, cresceu em setores de baixa produtividade.

Utilizar parte dos recursos economizados com o pagamento de juros da dívida em investimentos também é uma forma de aplicar bem esse dinheiro. Segundo Castelar, a economia gerada é tamanha que permite que se lance mão de parte dela para fazer investimentos e ainda assim é possível reduzir a dívida com outra parcela.

No entanto, as sinalizações do governo não são neste sentido. "A expansão do gasto que está ocorrendo é ruim, não é para investimento", diz Castelar. O investimento do setor público hoje, segundo ele, é de 1,7% do PIB.

O que separa o Brasil hoje de chegar ao "investment grade" é, na avaliação dos analistas, a dívida interna. Não há dúvida sobre as reais chances de que o país vai conseguir mais este avanço. As opiniões divergem apenas em relação ao prazo.

Conquistar a honrosa posição de grau de investimento no seleto cardápio das agências de classificação de risco é o começo de uma nova fase na vida econômica dos brasileiros. Mas essa fase não se encerra com a entrada no clube dos países mais confiáveis.

É certo que com a conquista do grau de investimento, os brasileiros vão ver se multiplicar os instrumentos para tomar empréstimos com custo menor e um provável aumento de emprego, pois haverá condições muito atraentes para o investimento direto.

No entanto, ainda assim será preciso continuar avançando. Conseguir subir novos degraus na conquista de notas cada vez mais altas pelas agências de classificação de risco, mesmo após a conquista do "investment grade" será importante, principalmente se o governo brasileiro quiser continuar reduzindo seu custo de captação e ainda atraindo investimentos externos para sua economia. Investimentos esses que são extremamente importantes, principalmente para melhorar a produtividade do trabalhador brasileiro. O fato é que ter o "investment grade" é uma conquista real, no entanto, este avanço já está em parte no preço dos ativos brasileiros.

Em 10 de maio, a agência Fitch colocou o rating brasileiro a um passo do grau de investimento. Em 16 de maio, foi a vez de a Standard & Poor's também elevar os ratings de crédito soberano de longo prazo do Brasil. Em 24 de maio mais uma agência de classificação de risco, desta vez a Moody's, colocou a nota brasileira em revisão para possível "upgrade" (elevação).

"Os ratings do Brasil poderão ser elevados no médio prazo, desde que mantida a tendência de melhora nos fundamentos fiscais e externos subjacentes em meio à implementação de políticas pragmáticas", diz a nota oficial da Standard & Poor´s na comunicação à imprensa da elevação do rating brasileiro.

Alcançar o grau de investimento traz benefícios que vão servir de combustível para dar mais consistência ao crescimento econômico brasileiro. Com o grau de investimento, a julgar pelo que ocorreu em outras economias que passaram pelo mesmo processo, há espaço para uma queda mais forte nas taxas de juro básicas do país. Alguns economistas trabalham com uma projeção de juro real de 5% para 2010. Há um claro otimismo em relação à taxa de juro, mas a velocidade da queda nas taxas poderá ser ainda maior depois que o país puder exibir notas que o apontem como uma economia confiável.

Com a conquista do "investment grade" há ainda uma elevação dos preços dos ativos reais e o custo de capital também é reduzido. Com isso, aumentam os volumes e prazos para os financiamentos.

O acesso de empresas ao mercado de capitais também aumenta, o que, por sua vez, faz com que melhore aspectos como a governança corporativa. É também de se esperar uma queda da informalidade não apenas na empresa tomadora de recursos, mas em toda a sua cadeia de fornecedores e clientes.

Para Armando Castelar, excluindo um cenário de crise externa, o Brasil deve ascender ao grau de investimento num horizonte não muito longo. Tal progresso resulta principalmente de melhorias nas contas externas. Há um claro descasamento entre os avanços na área externa e os fundamentos da economia doméstica, o que dificulta a política monetária. Castelar acredita que as reformas e a contenção de gastos públicos correntes é que vão definir se Brasil vai seguir a trajetória do México ou a do Chile.