Título: Gastos da Previdência já chegam a 12% do PIB
Autor: Balbi, Sandra
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Caderno Especial, p. F9

O economista Fábio Giambiagi, coordenador do grupo de acompanhamento conjuntural do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), costuma ilustrar as dificuldades enfrentadas pelos técnicos que pregam a necessidade da reforma da Previdência com uma história que aconteceu com um assessor do ministro da economia. Depois de expor longamente ao líder do governo na Câmara de Deputados as projeções que apontavam um agravamento futuro do déficit da Previdência, o técnico ouviu do político: "Isso vai estourar nesse governo ou não?". Corria o ano de 1982, o ministro chamava-se Antonio Delfim Neto e seu assessor é um amigo de Giambiagi, cujo nome ele não revela.

De lá para cá, nada mudou na esfera do governo quando se discute como desatar o nó dos gastos previdenciários, segundo o economista, que na quarta-feira voltou a defender mudanças no sistema brasileiro durante o 4º Congresso Anbid. Desde a década de 80, segundo ele, esse nó vem apertando: os gastos do INSS saltaram de 2,5% do PIB, em 1988, para 7,1% do PIB em 2006, diz Giambiagi. Como as receitas do INSS são insuficientes, o Tesouro Nacional tem de arcar com a diferença, que equivale a 1,8% do PIB. "Esse é o problema fiscal mais sério do país. As despesas do INSS quase triplicaram em 20 anos, período em que o envelhecimento da população ainda não havia começado".

O que teria provocado esse salto nos gastos do INSS, foram "os aumentos generosos do salário mínimo, que acumulou ganho real de 104% desde 1994", afirmou Giambiagi. O aumento do salário mínimo teve impacto sobre as despesas previdenciárias e assistenciais com benefícios iguais a um salário mínimo. Em 1997, essas despesas equivaliam a 1,4% do PIB e este ano devem chegar a 3,2% do PIB. Bem menos, entretanto, do que o montante de juros pagos pelo governo a rentistas e instituições financeiras que aplicam em títulos públicos. Nos últimos cinco anos, os juros reais da dívida pública equivaleram a 4,5% do PIB, ao ano.

Na opinião de Giambiagi, embora o Tesouro também tenha de arcar com um montante equivalente para cobrir os gastos previdenciários do setor público, esse é um problema menor, pois esses gastos são bem inferiores aos do INSS, totalizando 2,2% do PIB.

A saída do governo Lula ante as pressões de alguns setores por revisão do modelo previdenciário foi levar a discussão para a sociedade com a criação, em janeiro, do Fórum da Previdência, onde participam confederações de trabalhadores, de empresários e representantes do setor financeiro. O conselho tem até setembro para apresentar suas conclusões ao governo que, depois, encaminhará ao Congresso Nacional uma proposta de reforma da Previdência. "Temos que definir se devemos ou não ter um novo modelo previdenciário", diz Thomas Tosta de Sá, coordenador do Plano Diretor do Mercado de Capitais.

Na sua opinião, a resposta é afirmativa: "O custo de financiamento da Previdência brasileira é o mais alto do mundo, consumindo 12% do PIB", afirma. Todos os palestrantes do painel "Previdência: Novos Rumos para o Crescimento - Um modelo de Previdência para os Novos Trabalhadores", defenderam a necessidade de novas e urgentes mudanças no sistema, pois as reformas feitas no governo Fernando Henrique Cardoso e na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva foram insuficientes, segundo eles.

Na opinião de Sá, os gastos elevados são conseqüência de erros na estrutura do sistema que permitem aos beneficiários sacar mais do que contribuem ao longo da vida. "A não exigência de idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores do setor privado, os critérios de elegibilidade dos benefícios, a forma de determinar os valores das pensões e os critérios especiais para militares permitem que o aposentado brasileiro receba mais do que contribuiu", diz Sá.

Roberto Rocha, do Banco Mundial, afirma que os gastos previdenciários do país são muito elevados também quando comparados aos de outros países. "Países com perfil demográfico semelhante gastam entre 4% e 5% do PIB - 7 pontos percentuais abaixo do que gasta o Brasil", diz. "Parte dessa diferença deve-se a programas distributivos e a altas taxas de cobertura que contribuíram para redução da pobreza entre os idosos. A Previdência, no Brasil é usada para distribuição de renda", acrescenta. Estima-se que esses programas respondam por 30% da diferença entre os gastos do Brasil e de países similares na área de previdência social.

A maior parte dessa diferença - 70% - é resultado, segundo Rocha, "de regras generosas para pensões, benefícios programados e benefícios por incapacidade física". Essas regras, segundo Rocha, geram um número excessivo de beneficiários do sistema e taxas de reposição (valor das pensões em relação ao salário na vida ativa) acima das praticadas em outros países.

Nos últimos anos, o aumento da longevidade introduziu um novo elemento de desequilíbrio nas contas da Previdência. Segundo Rocha, as mulheres, por exemplo aposentam-se por tempo de contribuição com 51,3 anos em média, e recebem o benefício por 29,2 anos, enquanto nos países da OCDE, onde a idade mínima para aposentadoria feminina é de 62,6 anos, o tempo de recebimento é de 20,9 anos. O prazo médio mundial de recebimento de aposentadoria pelas mulheres é de 21,1 anos. "O que mais choca, pela discrepância com o padrão internacional, é a aposentadoria por tempo de contribuição", diz o representante do Banco Mundial.

Na sua opinião, o salto dos gastos previdenciários de 4% do PIB nos anos 90, para os atuais 12% do PIB, prejudicou o crescimento 'econômico. "Entre 1994 e 2005, o PIB brasileiro cresceu em média 2,5% ao ano, e entre 2000 e 2005 apenas 2,7%, enquanto o mundo crescia 3,8% e 3,9% ao ano naqueles períodos", explica Rocha.