Título: Mercados atraem US$ 25 bi semanais em aportes líquidos
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Especial, p. F10

O pai dos "hedge funds" brasileiros e reconhecidamente um dos gestores mais talentosos do país, Luis Stuhlberger, precisou ouvir de sua primogênita uma lição de mercado de capitais. Prestes a se graduar por uma prestigiada escola de administração, a filha de Stuhlberger disse que o que atrai investidores a um país não são as taxas de juro nas alturas, mas fundamentalmente sua estabilidade. O país fica viável, as empresas prosperam, há mais empregos, a renda cresce e todo mundo passa a querer comprar a moeda desse país, explicou a moça. Basicamente, como explicou a filha de Stuhlberger, quando as economias emergentes finalmente emergem isso é bom para todo mundo e as empresas precisam que isso ocorra porque elas conseguem vender mais seus bens e serviços.

Quem parece concordar com ela é Mark Mobius, presidente da Templeton Emerging Markets Funds, uma estrela internacional entre os investidores em países emergentes. A Templeton, disse Mobius em sua apresentação, aumentou fortemente sua exposição a economias emergentes. Hoje, os fundos geridos pela Templeton possuem uma alocação maior em ativos desses países do que exibia durante o início dos anos 90, quando houve a primeira febre dos mercados emergentes.

Mas não apenas a Templeton está voltando com toda força a essas economias. Segundo números apresentados por Mobius, a entrada de recursos em economias emergentes está aumentando fortemente nos últimos meses. Segundo Mobius, a entrada líquida de recursos (aplicações menos resgates) para os fundos dedicados a países emergentes está em quase US$ 25 bilhões. Os mercados da Ásia ainda representam os maiores portos para os recursos de investidores estrangeiros. É de lá que Mobius faz sua apresentação em meio à madrugada, por teleconferência, para a platéia que lota o auditório onde estão sendo realizados os painéis do 4º Congresso da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Os fundos de investimentos dedicados à Ásia, estão recebendo semanalmente uma entrada líquida de recursos na ordem de US$ 15 bilhões. Para fundos dedicados à América Latina o volume é de quase US$ 5 bilhões e a curva é ascendente.

Em1997, a Templeton Emerging Markets Group atingiu um total de cerca de US$ 15 bilhões de ativos sob gestão. Desde então, o volume de ativos sob gestão na empresa se reduziu e chegou próximo a US$ 5 bilhões em 2002. Foi um período de sucessivas crises financeiras nas economias emergentes. Mas, desde então, a curva de captação da Templeton é ascendente e hoje a empresa chega a contabilizar quase US$ 35 bilhões de patrimônio sob gestão.

A fatia dos mercados emergentes no total de ativos sob gestão do grupo Templeton Resources, que no início dos anos 90 era de 1%, alcança hoje a posição de 6,1%, a maior posição desde então. A maior parcela desses recursos está alocada em fundos globais de mercados emergentes, que representam 52% do total do patrimônio aplicado em mercados emergentes. A segunda maior parcela são os fundos regionais, com 31% e depois os fundos de países, com 11%.

O peso do Brasil na carteira de mercados emergentes do Templeton chega neste ano de 2007 a mais de 10%. Já foi maior. Em 1999, ultrapassou os 12%. Desde então caiu para cerca de 5% e retomou sua trajetória de alta em 2003.

O mercado brasileiro está no topo das preferências dos analistas da Templeton resources e representa 10,9% do patrimônio da empresa aplicado em ativos de economias emergentes. Junto com o Brasil está Hong Kong, que também representa uma fatia de 9%, seguidos pela Coréia, com uma fatia de 8,3%.

Dos países que compõem o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), chamados assim por serem as novas estrelas dos emergentes, os brasileiros exibem a maior fatia. Rússia representa uma fatia de 8% do patrimônio da Templeton dedicado a mercados emergentes. China e Índia não aparecem nos gráficos exibidos por Mobius.

James W.Hirschmann III, o principal executivo da Western Asset no mundo, empresa de gestão de recursos que administra os fundos de renda fixa do grupo Legg Mason, disse que o otimismo em relação à economia brasileira produz reflexos naturais na indústria de fundos do país. Há uma expectativa, segundo ele, de que ocorram importantes mudanças neste setor com o aumento da importância da atividade de gestão de recursos no país.

Segundo Hirschmann, a tendência é de que ocorra no Brasil o mesmo que vem ocorrendo na indústria de gestão de ativos no mundo inteiro. A tendência é de cada vez mais os gestores se especializarem, trabalharem globalmente e ainda operarem com uma arquitetura aberta. Um ponto a conferir para os brasileiros que, tradicionalmente, compraram fundos nas suas agências bancárias que, no varejo, vendem preferencialmente as carteiras administradas pelas de administração de recursos do próprio grupo.

A Western chegou ao Brasil depois que as operações de gestão de carteiras do Citigroup foram vendidas para a Legg Mason no mundo inteiro. O grupo, que opera globalmente, trabalha exclusivamente por meio de arquiteturas abertas, pois não possui uma rede de distribuição. No Brasil, por enquanto, os fundos administrados pela Western Asset são distribuídos na rede de agências do Citigroup.

Hirschmann também chamou atenção para a diferenciação de produtos. Os tradicionais fundos que costumam seguir benchmarks parecem que vão fazer parte apenas da história, na avaliação de Hirschmann. Esse novo contorno da indústria de fundo no mundo vai optar por ter em suas prateleiras produtos diferenciados, com retornos absolutos. Essa é uma resposta natural à demanda que já vem sendo observada no mercado internacional. No Brasil, ele acredita, não deverá ser diferente.

A competição global marcou as discussões do segundo painel no 4º Congresso Anbid na quinta-feira. Farley Thomas, executivo do HSBC Investments mostrou como o contexto global está cada vez mais presente nas decisões dos investidores. "Investimentos adoram viajar, se eles tiverem passaporte", disse Thomas. O volume líquido (captações menos resgates) de recursos da poupança de americanos que foi destinado às aplicações em ações negociadas em mercados fora dos Estados Unidos, ultrapassou a cifra de US$ 40 bilhões no primeiro trimestre de 2007. Esses recursos, diz Thomas, foram em grande parte para Brasil, China e Índia. Para se ter uma idéia da importância dessas cifras, a parcela da economia dos americanos que foi direcionada a investimentos em ações negociadas nas próprias bolsas americanas não chegou a US$ 20 bilhões.

A indústria de administração de recursos global já movimenta cerca de US$ 50 trilhões e, segundo projeções apresentadas por Thomas deve ultrapassar os US$ 60 trilhões em 2010. Definitivamente, diz ele, essa é uma atividade em que seus agentes vão competir globalmente. Para Thomas, a grande questão é "como você conseguirá se sobressair?".

Está claro que a demanda brasileira por gestores de recursos está no radar dos agentes globais dessa indústria. Eles se preparam para desembarcar no Brasil com sua bagagem recheada de produtos diferenciados para encantar a platéia brasileira, acostumada nos últimos anos a não enxergar qualquer diferenciação entre as carteiras oferecidas, a não ser pela placa do banco que as entregava.

Com taxas de juro nas alturas, o brasileiro não precisou de um gestor de fundo para suas economias. Precisou apenas deixar o dinheiro aplicado em títulos do governo. Portanto, não havia razões para que gestores desembarcassem por aqui com suas prateleiras de produtos. Tudo isso muda radicalmente com uma economia estável. Principalmente se o emprego e a renda aumentarem e trouxerem assim novos clientes interessados em construir um patrimônio para usufruir no futuro.

Portanto, a melhora das condições econômicas desses países emergentes está atraindo mais recursos. No Brasil, os recursos estão entrando em volumes bem mais expressivos do que no passado, quando suas taxas estavam em patamares ainda mais altos do que os atuais. A razão são aquelas apontadas pela filha de Sthulberger. Depois de anos sufocada por taxas de juros extraordinariamente altas, a economia brasileira começa a entrar para o seleto grupo dos países emergentes viáveis.