Título: Mercado interno reduz perda na exportação
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2005, Brasil, p. A3

Em 2004, a recuperação do mercado interno compensou parte da perda de rentabilidade do setor exportador. Essa conclusão impressionante aparece em trabalho inédito do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) em parceria com a Fundação Centro de Estudos para o Comércio Exterior (Funcex). Pela primeira vez, um trabalho de análise econômica misturou dados de rentabilidade externa e doméstica, criando a categoria de rentabilidade total. Na média, os segmentos com mais de 20% da produção destinada à exportação encerraram 2004 com uma perda de 2,5% na rentabilidade total. O contrário aconteceu naqueles segmentos com baixo coeficiente exportador e eles encerraram o ano passado com ganho de 2,7% em relação ao ano anterior. "Os setores exportadores, especialmente aqueles de bens de maior valor agregado, protegeram suas margens aqui dentro", observa Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi. Ironicamente, observa Gomes de Almeida, "os dados indicam que ainda é melhor, no Brasil, produzir para o mercado interno do que para o externo". Entre os 25 setores analisados, 12 mandam menos de 20% de sua produção ao exterior. Destes, seis (produtos metalúrgicos, borracha, químicos diversos, têxtil , máquinas e tratores e indústrias diversas) perderam renda na exportação, mas conseguiram reverter essa situação no mercado interno e encerrar o ano com uma rentabilidade total positiva. Setorialmente, a "compensação" obtida no mercado interno fica cristalina na análise de equipamentos eletrônicos (onde se incluem os celulares) e do setor automotivo. Os exportadores de equipamentos eletrônicos encerraram 2004 com uma perda de rentabilidade na exportação de 23,5% em relação a 2003. Essa perda diminui para 10,3% quando os ganhos no mercado doméstico são cotejados. No setor automotivo, o movimento é semelhante. A exportação de veículos automotores encerrou 2004 como um negócio 17,2% menos rentável que no ano anterior. Parte expressiva desta perda decorreu de uma queda de 11,9% no preço de exportação dos automóveis nos últimos três anos. Internamente, ocorreu o contrário. De acordo com os dados do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (IPC-Fipe), os automóveis novos subiram 18,08% apenas no ano passado. Esse aumento de preços permitiu ao setor compensar, domesticamente, parte da perda de rentabilidade com as vendas externas. "Esse setor teve seus custos impactados pela alta do aço e repassou custos internamente, o que não foi possível no mercado externo", analisa o diretor do Iedi. Quem perdeu margem, nesse caso, foi o setor de peças cuja queda de rentabilidade foi amplificada no mercado doméstico. A queda nas exportações ficou em 5,5%, mas a perda total no ano passado (quando as vendas domésticas são consideradas) foi de 16,4%. A principal causa da perda de rentabilidade das exportações foi a taxa de câmbio. E aqui o trabalho do Iedi traz outra novidade: foi calculada uma taxa de câmbio setorial e efetiva, ponderada por uma cesta de moedas (e não apenas pelo dólar) e que considerou o peso de cada destino nas vendas externas de cada setor. O trabalho indicou que no último período considerado (2001-2004) e mais especificamente nos últimos anos (2003-2004), os setores que direcionaram suas vendas primordialmente para países e regiões fora do eixo Estados Unidos-América Latina vêm sofrendo perdas bem menores que os demais setores. "Os maiores perdedores, tanto em 2004 como nos últimos três anos, são principalmente aqueles com vendas concentradas na zona de influência do dólar, onde se destacam os manufaturados e os bens de maior valor agregado", observa Gomes de Almeida, do Iedi. Os exportadores de commodities tiveram uma dupla vantagem em 2004: preço em alta e a valorização do euro frente ao dólar. O estudo comparou a rentabilidade das exportações com uma taxa de câmbio efetiva (com cesta de moedas) e uma taxa apenas em dólar entre os anos de 2001 e 2004. Na conta em dólar, apenas dois em 25 setores mantiveram algum ganho na exportação: siderurgia e refino de petróleo. No caso dos produtos siderúrgicos, o preço de exportação aumentou 58,4% neste período. No caso de refino e petroquímicos, o preço médio subiu 22,6%. Quando a mesma conta é feita com a cesta de moedas (com grande influência das vendas para o mercado europeu), o número de setores com rentabilidade positiva sobe para sete, mas o setor de refino passa a ter saldo negativo, pois quase 59% de suas vendas externas tem os EUA como destino e outros 25% vão para a América Latina. Entre os anos de 2003 e 2004, apenas os setores de açúcar e abate de animais registraram valorização do seu câmbio próprio. Todos os demais 26 setores "perderam" câmbio e quatro registram perdas superiores a 7%: artigos de vestuário, peças e outros veículos, equipamentos eletrônicos e veículos automotores. Em 2004, diz o diretor-executivo do Iedi, a indústria "exerceu o repasse de preços". Por isso, avalia Gomes de Almeida, o mercado interno ajudou a compensar a perda de rentabilidade na exportação, onde é muito mais difícil fazer aumento de preços em função da concorrência externa. Gomes de Almeida vê uma relação perversa entre câmbio, inflação e política econômica: a taxa de câmbio cai, e esse movimento é bem visto sob o aspecto do controle inflacionário. Mas aí, o câmbio fica ruim para o exportador, que, ao encontrar espaço para repassar preços no mercado interno, opta por esse mecanismo para manter suas margens. "É como trocar seis por meia dúzia", pondera o executivo do Iedi. Apesar das conclusões, Gomes de Almeida não descarta a importância da exportação inclusive para dar ganho de escala à indústria ou ao agronegócio. "Mas para uma estratégia exportadora, observa, não convém que os setores mais ligados ao mercado externo sejam penalizados como vem ocorrendo justamente com os segmentos com maior coeficiente exportador", argumenta. O estudo lista dois grandes setores: siderúrgico e papel e celulose como segmentos com menos de 20% da produção destinada ao exterior. Isso ocorre, diz Gomes de Almeida, porque na classificação do IBGE eles agregam subsetores que exportam pouco e os dados não permitem separá-los.