Título: Investidores devem correr mais riscos
Autor: Assef, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Caderno Especial, p. F11

Bem-vindo ao círculo virtuoso do mercado de ações. A partir de agora, deve ser dessa maneira que os profissionais da indústria brasileira de fundos vão cumprimentar seus clientes. Para o superintendente da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid), Luís Kaufmann, a indústria de fundos está no meio de uma grande mudança aguardada há muitos anos. A espera foi longa. Mas agora o país chega a um estágio no mercado de capitais que sempre almejou. "Há um ano, começamos a entrar em uma etapa importante da indústria em que a busca pelo investidor vai ser definida somente pela sua capacidade de agregar valor à aplicação", diz Kaufmann.

De acordo com ele, quanto mais baixa a taxa de juros mais essa questão vai ser colocada, porque até hoje tanto no período onde a questão fundamental era recuperar a inflação e num segundo momento a taxa de juros era enorme, a diferença na indústria de fundos era apenas os canais de distribuição, porque os produtos eram os mesmos. "Daqui para frente todo mundo vai querer saber quem está produzindo maior rentabilidade".

A grande dúvida é se o setor está preparado para absorver este novo investidor, pequeno e com pouca informação sobre um mercado do qual até pouco tempo atrás ele queria distância. Afinal, para que assumir qualquer risco se ele tinha os 20% de rendimento líquido que a taxa de juros dava nas suas aplicações de renda fixa? Bem, agora tudo mudou e esse investidor está sendo obrigado a buscar novas opções de investimento. Acontece que este investidor tem medo da renda variável e tem razão de ter por dois motivos básicos: primeiro porque a história do Brasil reúne uma série de episódios muito negativos em termos de renda variável e segundo porque é mais complicado mesmo e vai ter maior risco. "Há anos nós dizemos que a questão central de investimentos é o binômio risco versus retorno então é essa a percepção que ele deve ter", diz Kaufmann.

Segundo ele, nos Estados Unidos nos anos 70 a distribuição dos investimentos era muita parecida com a do Brasil; 75% renda fixa e 15%, 20% de renda variável. Nos anos 80, isso empatou no mercado americano e nos anos 90 a renda variável passou a renda fixa. Na medida que este mercado secundário de bolsa passar a refletir mais o crescimento do mercado de capitais - porque ainda existe essa visão que a sociedade tem de que a bolsa é um cassino - e a traduzir um processo de liquidez de um mercado primário poderoso e importante de ações, essa percepção muda porque isso vai corresponder a uma parte do mundo real da economia. "Não tenho dúvidas de que daqui a pouco as pessoas vão começar a se perguntar se o mercado de ações pode ser uma boa opção para uma aplicação de 20 anos e é sim. Se você pega qualquer país e faz uma série histórica maior não é arriscado. O risco existe no curto prazo", afirmaKaufmann.

Todo mundo esperou por esse momento e de repente se deu conta de que já está nesse novo mundo. "O que a gente tem de bom é que o Brasil conta com um mercado financeiro composto de instituições financeiras muito sólidas, muito preparadas, uma indústria de fundos que já passou por períodos difíceis (2002 foi o último período muito complicado) e ela se recuperou rapidamente pois há muita gente competente", diz Kaufmann. Segundo ele, nos últimos 20 anos, o mercado financeiro absorveu o que havia de melhor nas universidades. Os mais competentes quadros brasileiros estão no mercado financeiro. E é isso que o deixa tranqüilo com relação à adaptação da indústria à chegada desse pequeno investidor. "A nossa mão-de-obra é muito boa e, do ponto de vista técnico, nós temos o que há de mais avançado. Então eu não vejo ninguém nem CVM, nem Banco Central com receio de que não vamos dar conta do recado".

Kaufmann admite que o setor como um todo terá de fazer um esforço maior para que a força de venda consiga traduzir a maior complexidade dos novos produtos. O programa de certificação da Anbid, de acordo com ele, já foi uma mudança importante. "Mas hoje a gente precisa dar um choque maior nos produtos mais sofisticados e garantir que os gerentes absorvam isso", afirma. O gerente, aliás, tem um papel fundamental pois é a pessoa com quem o pequeno investidor vai falar na hora de aplicar seus recursos.

Agora é sempre uma relação de risco versus retorno. Até 2006, a taxa de juros estava dando uma rentabilidade de 12% ao ano com um risco muito baixo, com 85% da carteira desses fundos em títulos públicos, a opinião da indústria era de que não fazia sentido incentivar as pessoas colocarem em ações para arriscar 15%, 16%. "Foi uma postura conservadora mas eu acho que foi boa, pois ainda não era o momento. A partir de agora com a queda dos juros, será o investidor que vai pedir para mudar de aplicação e tenho certeza de que o mercado estará preparado para atendê-lo de forma transparente e ágil", diz Kaufmann. Ele ressalta uma característica básica na relação gerente de banco e o atual pequeno investidor brasileiro. Ele senta na frente do gerente e dispara: "E se fosse o seu dinheiro. O que você faria?" Segundo ele, a recomendação da Anbid é dizer "mas não é, por que se for o meu dinheiro eu sei qual é o risco que eu posso assumir, qual a necessidade desse dinheiro, para quando eu preciso, Então eu não posso pensar que é meu porque não é."

Nesta passagem de produtos mais simples para os mais sofisticados, o investidor é que tem que assumir a responsabilidade e o risco de estar fazendo essa aplicação. De acordo com ele, o setor de fundos de investimentos - assim como o resto da economia brasileira - está vivendo um momento riquíssimo. "E a Anbid tem um papel importante nesse processo: no início dos anos 90 foi na Anbid que se amadureceu no Brasil a idéia de que a atividade de administração de recursos de terceiros não era apenas mais uma atividade bancária, que havia uma enorme diferença entre conjunto de atividades bancárias e conjunto de gestão de recursos de terceiros e que a postura dos profissionais era diferente", lembra Kaufmann.

No Brasil, a percepção de que a indústria de fundos não era mais um produto bancário, que gerou uma geração de executivos da indústria de assets altamente preparados. A Anbid também teve um papel importante na auto-regulação do setor. "Na auto-regulação há dois processos importantes; o primeiro é definir normas e fazê-las serem cumpridas e o outro é o papel educativo pois ao colocar o mercado junto discutindo padrões e regras, é possível levar o mercado a discutir qual é o melhor padrão de funcionamento e quando a Anbid edita a norma, em média após um ano de discussão, 70% do mercado já refletiu e já está convencido da importância de tal norma."