Título: Tudo que tem importância é imprevisível
Autor: Assef, Andréa
Fonte: Valor Econômico, 04/06/2007, Caderno Especial, p. F14

"Eu não gosto de finanças." O que causa estranheza nesta frase é o autor dela. Nassim Nicholas Taleb já foi um talentoso investidor de Wall Street , um dos pioneiros em operações com os complexos contratos de derivativos financeiros, negociados nas bolsas de futuros em todo o mundo e sua corretora, a Empírica LLC, uma das administradoras de fundos de maior sucesso do mercado americano. Há dois anos, porém, Nassim Taleb abandonou o dia-a-dia das finanças para se tornar um acadêmico.

Seu livro mais recente, "The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable " (O cisne negro: O impacto do altamente improvável), está há cinco semanas na lista dos mais vendidos do jornal "The New York Times". Provavelmente o mais alto posto que um autor, seja ele de finanças ou romances, possa almejar e um caminho seguro para arrecadar alguns milhões de dólares em direitos autorais por todo o mundo. O inusitado, é que Taleb conquistou esse posto com um tema e palavras áridas e não com um clássico de auto-ajuda. Ele foi contra todas as orientações de seus editores para escrever claro, fez do jeito que queria e, adivinhe? O improvável aconteceu, exatamente como ele defende na sua teoria do cisne negro.

Polêmico, ele joga por terra toda a teoria mundial sobre gestão de risco que vem sendo praticada por administradores de fundos de investimentos dos mais conservadores aos nem tanto por todo o planeta.

"Risk management (gestão de risco) é lixo, pois a tentativa de determinar causa e efeito dos fatos é continuamente obstruída por fenômenos aleatórios", afirmou Taleb nesta conversa exclusiva com o Valor.

Ele veio ao Brasil para falar no painel sobre gerenciamento de risco do 4º Congresso Anbid, a Associação Nacional dos Bancos de Investimento. Com seu jeito irônico e buscando recursos muito além dos gráficos de volatilidade (oscilação de preços) histórica, Taleb mostrou aos cerca de 600 gestores de carteiras que participavam da platéia a base de sua teoria de risco.

Em seu livro, Taleb utiliza a história, a psicologia, a filosofia, a estatística, entre outros assuntos, para defender a sua intrigante tese do "cisne negro". A ave negra é o ícone de sua teoria porque é um evento aleatório que reúne os três pilares que a sustentam: grande impacto, probabilidades incalculáveis e efeito surpreendente. Entre os cisnes negros, Taleb cita o sucesso do Google e a tragédia do atentado às torres gêmeas, em 11 de Setembro, de 2001, em Nova York.

Atenção investidor: para este americano, nascido no Líbano, e que carrega uma bagagem de sucesso no mercado financeiro, não existe talento inato para ganhar dinheiro nem fórmulas mágicas que possam ser utilizadas na busca por um retorno seguro para investimentos.

Fique atento também a outra observação de Taleb; as pessoas no mundo das finanças têm a ilusão de que sabem prever movimentos e que vão ganhar dinheiro com isso. Mas veja, ele disse que é ilusão.

Taleb não deixa de admitir, porém, que a área de finanças é lucrativa porque é o caminho fácil para se tornar independente. Atualmente Taleb evita falar de mercado financeiro, embora tenha feito história no mercado de capitais americano.

No verão de 1997, Taleb previu que os hedge funds como o Long-Term Capital Management (LTCM), dos prêmios Nobel de economia Robert Merton Jr. and Myron Scholes, poderiam ter problemas, pois estavam usando suas teorias matemáticas no mercado financeiro sem levar em conta a possibilidade de o improvável ocorrer.

Um ano depois, a LTCM vendeu uma quantidade extraordinária de opções porque o seu programa de computador disse que o mercado estaria calmo. Logo depois veio a crise da Rússia. Era o improvável, ingrediente para o qual Taleb sempre chama atenção. Era também o fim da Long-Term Capital Management e mais lenha na fogueira financeira que varreu o mundo no final dos anos 90.

Ávido leitor dos clássicos da literatura, Taleb fez MBA em Wharton e é Ph.D. pela Universidade de Paris-Dauphin. N.N.T. Atualmente, Taleb mora em Nova York e é professor de Ciências da Incerteza na Universidade de Massachusetts. É autor dos livros Dynamic Hedging e Fooled by Randomness, este com mais de meio milhão de leitores em 20 idiomas.

Em sua segunda visita ao Brasil, Taleb, um poliglota que fala sete idiomas, arriscou algumas poucas palavras em português.

Valor: O senhor poderia falar sobre a lógica do cisne negro, que dá título ao seu mais recente livro?

Nassim Nicholas Taleb: Antes de a Austrália ser descoberta as pessoas achavam que todos os cisnes do mundo eram brancos. Acontece que naquele país existe um tipo de cisne que é negro (o cygnus atratus). Então, a Austrália nos mostrou que poderia haver uma exceção escondida de nós, da qual não tínhamos a menor idéia.

Valor: É o improvável, mas que pode existir?

Taleb: É, o improvável existe. Agora, o meu cisne negro não é um pássaro, é um evento com três características: primeiro, é altamente inesperado; segundo, tem um grande impacto; terceiro, é, que depois que acontece, procuramos dar uma explicação que o faça parecer menos aleatório e mais previsível do que era.

Valor: Como a sua teoria se aplica ao nosso cotidiano?

Taleb: O principal problema que eu tenho com o cisne negro é que ele explica quase tudo no mundo. Veja por exemplo, a Primeira Grande Guerra. Era completamente imprevisível, mas depois que ela ocorreu as pessoas passaram a acreditar que as causas eram óbvias. O mesmo ocorreu com a Segunda Guerra. Isso prova que a humanidade não é capaz de prever grandes eventos.

Valor: Existem acontecimentos da atualidade que podem ser considerados cisnes negros?

Taleb: Sim, a internet é um deles. A internet é um cisne negro. Ninguém imaginava que ela iria transformar o mundo tão rápido. Quem poderia afirmar que tudo o que nós prevíamos que poderia acontecer no futuro, acontecesse realmente e com tamanha rapidez? Se você pegar as principais implementações tecnológicas, são todas cisnes negros. De novo a internet serve como exemplo. Ela surgiu como uma ferramenta de comunicação do exército. Não foi desenhada para que as pessoas tivessem encontros amorosos via a rede mundial de computadores ou para ser um veículo de notícias, como o jornal e a televisão. O laser quando foi desenvolvido, ninguém imaginava que seria usado para cirurgia nos olhos, entre outros exemplos que provocaram a revolução digital.

Valor: Então, todas as grandes descobertas importantes aconteceram por acaso?

Taleb: A maioria das principais descobertas que causaram forte impacto na humanidade foram acidentes de percurso. Elas foram descobertas enquanto os cientistas estavam procurando uma outra coisa. É o caso do laser, como citei na resposta anterior, que foi criado para ser um tipo de radar.

Valor: Mesmo as descobertas médicas? O avanço na medicina então se deve ao acaso?

Taleb: É isso mesmo. Apesar de todo o esforço de pesquisa do National Cancer Institute, nos Estados Unidos, um dos mais potentes tratamentos, a quimioterapia, foi descoberto como um efeito colateral do gás mostarda. As pessoas expostas a esse gás tinham taxas muito baixas de células brancas no sangue.

Valor: Como nos preparar para o que vem pela frente se não podemos fazer previsões para as coisas realmente importantes?

Taleb: É preciso saber se caso encontre um cisne negro, ele vai ajudar ou atrapalhar você. Você não poderá saber quando um cisne negro irá surgir, mas o fundamental é que você não leve tão a sério o seu planejamento de vida, pois as coisas podem mudar quando você menos espera. Tenha em mente que toda a tecnologia da atualidade está aí para maximizar as suas opções.

Valor: Mas esta não é a base da teoria do teste de estresse (stress test), um dos modelos de gerenciamento de risco que o senhor também derrubou em sua palestra?

Taleb: O estresse test avalia impacto do que já ocorreu, não do que vai ocorrer. As variáveis utilizadas são tiradas do passado.

Valor: Então nós não podemos fazer previsões, pois sempre seremos atropelados pelo imprevisível?

Taleb: Na minha opinião, a única coisa incerta que é possível medir são os cassinos.

Valor: Cassino? Mas isso é o oposto de um investimento, é sorte, não?

Taleb: Um cassino pode parecer um negócio em que é possível calcular os riscos e em que a probabilidade determine o sucesso ou fracasso. Os grandes cassinos de Las Vegas gastam milhões e milhões de dólares em teorias de jogo e sistemas altamente desenvolvidos de segurança, mas acontece que a maior parte dos riscos surge de fora destes modelos.

Valor: Como assim?

Taleb: Você precisa se preocupar com guerras, com a Bolsa de Valores etc. Nada em um jogo de cara-ou-coroa é realmente aleatório para alguém capaz de fazer equações diferenciais de cabeça - mas não estamos equipados cognitivamente para isso. Portanto, o grau de aleatoridade depende do observador.

Valor: Qual é a sua definição de aleatoridade?

Taleb: É a compreensão incompleta ou a informação incompleta. Por isso que eu considero eventos planejados, como o 11 de Setembro, aleatórios (quando na verdade foram planejados pelos terroristas). A grande questão é que não aceitamos isso. As pessoas adoram ter mapas. Elas preferem ter um mapa errado a não ter mapa nenhum. Ou seja, elas preferem ter alguma teoria a viver sem nenhuma teoria. Isso vale para qualquer tema ou situação.

Valor: Como fica então a gestão de risco dentro do universo do cisne negro?

Taleb: A verdade é que é muito difícil prever eventos sócio-econômicos. Se você olhar para o histórico das previsões verá que é lixo. Se você olhar para o "risk management" (gestão de risco) verá que é lixo. O fundamental é você saber o que é lixo e o que não é. Dessa maneira vai estar preparado para a chegada dos cisnes negros.

Valor: Como o senhor é visto no mundo das finanças hoje em dia?

Taleb: As pessoas da área de finanças não me compreendem tanto quanto os historiadores e cientistas.

Valor: Por que?

Taleb: Porque as pessoas do mundo das finanças têm a ilusão de poder prever os fatos. Porém, eles não conseguem justificar suas previsões. Deixe eu lhe dizer uma coisa: nunca diga a ninguém uma verdade sendo que o salário de alguém depende dele.

Valor: É por isso que o senhor não gosta mais de finanças?

Taleb: Exatamente. E a outra razão pela qual eu não gosto de finanças é porque as pessoas me identificam com o mundo das finanças e chegam para mim com perguntas do tipo: "que ações eu devo comprar."

Valor: E que ações comprar? O senhor não tem indicações?

Taleb: Eu não tenho a menor idéia. Mas o problema é que existem pessoas que trabalham no mundo financeiro e utilizam pensamentos de pessoas que escrevem sobre finanças dizendo quais ações comprar. Esses são os charlatões. Aqueles que não são charlatões, vão lhe dizer o que não fazer em vez de dizer o que fazer. E você pode fazer muitas coisas se souber o que não deve fazer porque se você evitar essas técnicas mirabolantes não vai depender das previsões do mercado.

Valor: Existe uma maneira possível fugir dessas armadilhas? Qual?

Taleb: Sim, existem maneiras de se prevenir melhor, pelo menos. Para começar tente não depender dos "measures of risk", ou seja os indicadores que vão tentar medir o risco. O importante é que você tenha seu portfólio estruturado de uma maneira em que não tenha "downside risk" (potencial de perdas) and "upside exposure" (exposição com potencial de ganho), pois assim você poderá ganhar muito dinheiro se encontrar um cisne negro.

Valor: Então é p cisne negro que vai fazer com que você ganhe dinheiro?

Taleb: Eu não estou dizendo para você sair por aí à caça dele. O que digo é que você deve maximizar a sua exposição ao cisne negro, pois ele vai aparecer. Meu conselho para as pessoas em geral é que ela sempre acredite naquilo que o mais inusitado pode acontecer. Tanto do lado positivo quanto do lado negativo.

Valor: Como é possível fazer isso?

Taleb: É preciso ter consciência de que as descobertas efetivas não vêm das universidades e sim das pessoas que estão no seu porão. O cisne negro é o risco dos grandes eventos, positivos ou negativos. Algumas coisas podem ser voláteis, mas não são um cisne negro necessariamente.

Valor: Por que o senhor está abandonando o campo das finanças?

Taleb: Finanças não é um bom lugar para mim. Estou abandonando as finanças. Eu decidi isso há dois anos. Eu me tornei um acadêmico, eu tenho algumas atividades em finanças, mas não falo mais sobre isso e eu faço pesquisas. O problema das finanças é que uma pessoa vê uma bela árvore e pensa "como posso ganhar dinheiro com ela." E não pensa em mais nada, apenas nisso. Em como ganhar dinheiro e mais dinheiro.

Valor: Como o senhor explica o fato de um livro complexo e que trata de temas tão específicos como a teorida do "Black Swan" alcançou uma posição importante na lista dos mais vendidos do New York Times há cinco semanas?

Taleb: Eu não tenho a menor idéia. É impressionante porque o livro foi escrito em uma linguagem muito árida e difícil e quando eu o escrevi eu não deixei nenhum editor mudar uma linha do meu estilo no texto. Talvez isso tenha ajudado. Os editores diziam: "o texto precisa ficar mais claro." E eu dizia que o texto estava claro o suficiente para mim e era isso que importava. Era dessa maneira que eu queria passar a minha mensagem. E, além do mais, eu não gosto de seguir regras.