Título: Piloto automático rumo ao desastre
Autor: John Gapper
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2005, Opinião, p. A9

De vez em quando, um esquema empresarial que parece ser uma solução absolutamente segura para um problema difícil revela-se "esperto demais" - e acaba sendo um tiro pela culatra. Isso aconteceu com o setor de aviação civil e suas grandes inovações em sistema de gerenciamento de receitas na década de 80. Naquele momento, foi uma boa idéia. Ao oferecer assentos a preços fixos, as companhias corriam o risco de voar com assentos vazios ou não ter assentos disponíveis quando passageiros de última hora poderiam dispor-se a pagar um ágio. O gerenciamento de receitas mediante diferenciação tarifária empregando sistemas eletrônicos de reservas era a solução. As companhias poderiam ganhar o máximo possível em receitas cobrando mais de alguns passageiros do que de outros. Esse sistema atingiu seu auge antes do 11 de Setembro, quando viajantes a negócios de última hora, que precisavam viajar e, portanto, dispunham-se a pagar mais, tinham de desembolsar em média cinco vezes mais do que as tarifas econômicas básicas. À medida que a concorrência pressionou as tarifas, as companhias passaram a depender dos passageiros de última hora para garantir todo o seu lucro. Quatro anos depois, o erro ficou evidente. Os viajantes a negócios desertaram as "seis grandes" companhias americanas (American, United, Delta, Northwest, Continental, e US Airlines, preferindo as linhas aéreas de tarifas baratas, como a JetBlue e a Southwest, que operavam com estruturas tarifárias mais simples. Na semana passada, lideradas pela Delta, as seis grandes (que perderam US$ 24 bilhões entre 2001 e o ano passado), entegaram os pontos, ao fixar um teto para as tarifas das viagens com embarques em cima da hora e das viagens sem pernoite em uma escala no sábado à noite. Uma lição dessa experiência é que algo que parece engenhoso e lógico para uma empresa pode soar incompreensível e injusto a seus clientes. Isso é particularmente verdadeiro quando há computadores na jogada. "À medida que as seis grandes tentavam espremer mais e mais uma gota de receita, elas foram se complicando cada vez mais e acabaram por deixar confusos e gerar animosidade entre muitos passageiros", diz Dave Emerson, sócio na Bain, firma de consultoria em administração. Outra lição é que é bom não tratar seus melhores consumidores como se eles fossem sua pior clientela, e vice-versa. Os passageiros de negócios recebiam diversos bônus, como milhagem por voar com freqüência e comida melhor, mas nada disso, sequer remotamente, compensava o ágio nos preços. Eles podiam estar sendo presenteados com uma seleção generosa de salgadinhos, mas os passageiros nos assentos lá de trás estavam economizando várias centenas de dólares. Qualquer pessoa em seu juízo perfeito sente-se esbulhado quando percebe que precisou tirar do bolso seis vezes mais do que a tarifa paga por uma pessoa viajando a seu lado. O que aconteceu foi que ninguém prestou muita atenção, no fim da década de 90. Viajantes a negócios geralmente não pagam suas próprias passagens, e seus empregadores, à época, estavam nadando em dinheiro.

As companhias preferiram oferecer tarifas menores aos passageiros em viagens de lazer e ferrar os viajantes a negócios, que as mantinham no ar

Mesmo aqueles que tentaram economizar encontraram dificuldades. Para isso, as reservas tendiam a ser feitas por intermédio de agências de viagens que eram leais às seis grandes, e não pela net, e as empresas de tarifas baratas cobriam menos cidades, fosse nos EUA ou na Europa. Por outro lado, assim como os computadores usados por fundos de hedge para negociar nos mercados financeiros, os sistemas de gerenciamento de receitas das companhias tendiam a produzir preços similares. Enquanto isso, as aéreas "cercaram" sua clientela em viagens de negócios que se sentia tentada a escapar para os assentos baratos, ao impor condições como a permanência em uma escala no sábado à noite. Seria difícil imaginar um esquema melhor para elevar as receitas, ao mesmo tempo deixando penosamente evidente, para os clientes, que haviam sido apanhados em uma armadilha. Então vieram os ataques ao World Trade Center e uma queda nas viagens que reduziu em US$ 20 bilhões por ano as receitas das empresas aéreas americanas. Mesmo quando veio a recuperação, os viajantes a negócios passaram a se mostrar mais sensíveis aos preços e melhor informados, graças à internet. Também passaram a ter muito mais opções: as empresas de baixas tarifas tinham expandido para 25% a capacidade das linhas aéreas nos EUA e tinham vôos partindo de muito mais cidades. Companhias como a Southwest, que antes atendiam viajantes a lazer partindo de aeroportos secundários, agora disputam com as seis grandes. A US Airways reconheceu ter ficado abalada quando a Southwest iniciou vôos partindo de seu centro de irradiação de rotas na Filadélfia, em maio passado. Elas também adicionaram extras, como assentos de couro e televisores no encosto dos assentos, e mesmo assim cobram muito menos. O resultado foi o colapso da velha guarda. Cerca de 39% dos passageiros da US Airways pagavam ágio no primeiro trimestre de 1998, mas só 4,6% o fizeram no mesmo período de 2004. A deserção dos viajantes a negócios responde pela maior parte da queda de 15% nas receitas por passageiro-milha sofrida pelas seis grandes. Para sermos justos, era difícil evitar a armadilha para a qual as seis grandes foram atraídas. A American Airlines fez um esforço abortado de reduzir o diferencial entre as tarifas de viagens a negócios e de lazer, em 1992, com seu programa Value Pricing, similar ao novo Simplifares da Delta, mas não se saiu bem na subseqüente guerra tarifária, e logo recuou. Mas as companhias aéreas continuam sendo um exemplo lamentável para outros setores. A maioria das empresas são capazes de identificar os 20% de usuários que são os mais valiosos para elas - e daí? O que é que elas fazem: empenham-se em assegurar a manutenção da fidelidade desses consumidores ou buscam maneiras de arrancar mais dinheiro deles? As empresas aéreas fizeram algumas coisas na primeira categoria, mas suas estratégias de preços caem na segunda. Um algorítmo pode ter decidido que tal esquema funcionaria perfeitamente: oferecer de tarifas baratas aos passageiros em viagens de lazer e ferrar os viajantes a negócios, que mantinham a empresa no ar. O senso comum, porém, teria produzido resposta diferente.