Título: Após Doha, Brasil buscará acordos bilaterais
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2007, Brasil, p. A6

Esperançoso de que será possível conseguir até o fim do ano um acordo entre os países sócios da Organização Mundial do Comércio (OMC), o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, já fala em um "segundo tempo" nas negociações internacionais do Brasil: assim que for definido o rumo da chamada Rodada Doha, o que o governo espera para este ano, o Brasil deve se engajar em negociações bilaterais de abertura de mercados, a começar pelo acordo Mercosul-União Européia.

"Temos de ter realismo e saber que essa não é uma rodada para acabar com todas as rodadas", comentou Amorim, em conversa por telefone, de Paris, onde acompanhou até a sexta-feira as discussões dos técnicos que prepararam a reunião que ocorre nesta semana, em Potsdam, Alemanha, de ministros do G-4 - Brasil, Estados Unidos, Índia e União Européia. A reunião, destinada a encontrar pontos comuns para avançar a negociação da Rodada Doha, pode, ao final, ser ampliada com a participação de Japão e Austrália.

Em reuniões bilaterais, como as do Mercosul-UE, poderão haver ofertas de difícil realização no ambiente multilateral da OMC, afirma o ministro. Os países do Mercosul temem exportações de outros países em desenvolvimento, especialmente a China. Amorim insinua que um acordo com os europeus poderia ter maiores reduções para importações de têxteis pelo Mercosul, por exemplo. "Teremos como oferecer bilateralmente coisas que não podemos oferecer no âmbito multilateral", diz ele.

Os negociadores tentam um acordo sobre as linhas gerais (modalidades) da negociação na OMC até julho, para permitir um acordo final até o fim do ano, antes de iniciada a campanha presidencial nos Estados Unidos.

Amorim reiterou que não aceita um acordo na OMC que não traga redução substancial dos subsídios que distorcem o comércio dos produtos agrícolas, e uma razoável abertura de mercado dos países ricos aos exportadores agrícolas das nações em desenvolvimento. O Brasil se disporá, após negociar com os parceiros do Mercosul, a fazer concessões de abertura para importações de bens industrializados, mas, insiste o ministro, só na medida em que não ameace a sobrevivência da indústria nacional.

"Há pisos mínimos (de redução de tarifas de importação) que não poderemos passar de qualquer maneira, não vamos fazer", disse o ministro. "Por outro lado, temos de ter um elemento de barganha, uma exchange rate (taxa de câmbio), não no sentido do câmbio monetário, mas de troca na negociação". A barganha, esclarece o ministro, dependerá da abertura que os países ricos oferecerem aos exportadores agrícolas dos países em desenvolvimento, como os do Mercosul.

Amorim reagiu, porém, às pressões, vindas até do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, por maiores concessões comerciais dos países em desenvolvimento. "Algumas vezes sinto ambição excessiva e desproporcional em relação aos países em desenvolvimento. Afinal, é uma rodada do desenvolvimento, não contra o desenvolvimento", comentou o ministro.

"Acho engraçado os que começam a dizer que está nas mãos do Brasil a rodada, é uma inversão muito grande da situação", disse, em resposta às cobranças de Lamy, lembrando que o Brasil tem baixas tarifas de importação em agricultura e não dá subsídios a seus produtos agrícolas de exportação. "A rodada está nas mãos de quem subsidia, que detém o cofre, com bilhões", ironizou.

O ministro lembra sua participação na reunião do G-8 (grupo das maiores economias mundiais e a Rússia), na Alemanha, há duas semanas, para justificar seu otimismo em relação às reuniões dos próximos dias. "Vejo boa vontade, desejo de avançar, disposição, que percebi tanto nas conversas políticas no G-8 como em conversas pelo corredor", comentou.

Ele acredita que não será problemático obter o compromisso dos Estados Unidos com a redução de seus subsídios a um patamar mais próximo dos US$ 12,1 bilhões reivindicados pelo G-20 (grupo dos países em desenvolvimento que cobra abertura agrícola e tratamento diferenciado na OMC). Em 2006, os subsídios americanos ficaram abaixo desse valor, mas já foram superiores a US$ 25 bilhões.

O ministro lembrou que já está praticamente assegurado entre os membros do G-4 o apoio à proposta de tetos não só para o total dos subsídios agrícolas, mas também para cada produto. "Tem de ter disciplina por cada produto, senão jogam todos os subsídios em um produto só, e nos estragam a vida."

Ele acredita que a negociação "evoluiu muito", por já haver garantias de que haverá tetos para os subsídios da chamada "caixa azul" (que não distorcem o comércio, como assistência técnica), além da "caixa amarela" (subsídios distorcivos, que levam à superprodução ou garantem preços acima dos internacionais). Em julho, falava-se em teto de 5% do PIB agrícola para a caixa azul; hoje já se negociam 2,5% como teto, exemplificou.