Título: Consultor internacional defende a busca do 'grau ótimo de corrupção'
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2007, Política, p. A8

A corrupção não deve ser atacada a esmo. Tão importante quanto a disposição para combatê-la é o estabelecimento de foco, saber que algumas variedades de comportamento corrupto têm conseqüências mais graves do que outras e definir qual é o "grau ótimo de corrupção". Para muitos, essa expressão soa como acinte ou complacência. Mas o combate à roubalheira também tem custos, que precisam ser considerados no momento de definir prioridades e buscar eficiência nas medidas adotadas.

Essa idéia é defendida pelo americano Robert Klitgaard, presidente da Universidade de Claremont (Califórnia), que já pesquisou o fenômeno da corrupção em mais de 30 países. Klitgaard prestou consultoria a governos asiáticos, africanos e latino-americanos. Já foi classificado pela publicação americana "Christian Science Monitor" como "o maior especialista mundial em estudos sobre corrupção". Hoje, além das atividades acadêmicas, atua regularmente no Fórum Econômico Mundial.

Klitgaard acredita que, a não ser no mundo idealizado, a "corrupção zero" é praticamente impossível. Por isso torna-se essencial fazer boas escolhas e saber até onde ir. Não se trata de conivência com o crime, ressalta o professor, mas de ter o planejamento certo para atingir os resultados mais satisfatórios. No livro "A corrupção sob controle", publicado originalmente em 1988, ele lembra que reduzir a corrupção é somente um dos muitos objetivos de uma autoridade pública, um político ou um legislador.

"Por exemplo, um comissário de impostos se preocupa com a sua cobrança efetiva. A energia e os recursos dedicados a reduzir a corrupção dentro de um órgão coletor de impostos pode levar a uma organização de recolhimento mais eficiente. Mas os esforços anticorrupção também podem ser levados longe demais, gerando gastos e um aumento da burocracia, bem como rebaixando o moral. Em algum ponto, mesmo que a corrupção seja reduzida por esforços crescentes, os custos diretos desses esforços podem ser amplos e o desempenho do órgão pode sofrer enormemente. A certa altura, pouco antes da erradicação da corrupção, esses custos diretos e indiretos podem tornar-se excessivos."

As observações de Klitgaard não devem ser interpretadas como tolerância com o crime, ele ressalta, mas como uma forma de otimizar os trabalhos de combater a corrupção. Levando isso em consideração, o especialista dá uma recomendação às lideranças políticas. "Os líderes devem entender que existem possíveis melhorias sem chegar ao suicídio político", afirma o americano, referindo-se à perda da base de sustentação política quando interesses de certos grupos de pressão são atingidos. Às vezes, porém, esforços para diminuir a corrupção podem implicar riscos literais de morte. "Eu aconselhei pelo menos três presidentes que me confessaram, em particular, que temiam perder a própria vida", revelou Klitgaard ao Valor.

Em palestra recente, o especialista completou suas recomendações. "Em segundo lugar, os líderes devem desenvolver uma estratégia que reconheça que nem tudo se pode fazer ao mesmo tempo. A portas fechadas, deve-se fazer uma análise de custo-benefício, avaliando as formas de corrupção em que os custos econômicos são mais altos - por exemplo, a corrupção que distorce políticas em vez daquela que atinge um contrato específico -, mas levando em conta também onde é mais fácil estabelecer uma diferença. Uma boa regra geral é que, para ter credibilidade, uma campanha anticorrupção deve ter resultados tangíveis dentro dos seguintes seis meses."

Resultados de curto prazo são considerados essenciais para dar força no combate à corrupção, bem como a captura de "peixes grandes" logo no início de uma campanha, para mostrar à população que ninguém passará ao largo das operações. Processos de abertura econômica tendem a diminuir as brechas para corrupção, mas desde que introduzam maior competição, em vez de simplesmente trocar monopólios estatais por privados. O especialista relativiza, no entanto, a eficácia dos sistemas de disque-denúncia. Estudos recentes feitos em Hong Hong, segundo ele, indicam que 50% das ligações são denúncias sem procedência.

Klitgaard contesta boa parte das explicações tradicionais das causas da corrupção. Lembra por exemplo que, apesar de o fator cultural ser freqüentemente lembrado por estudiosos do assunto, a maioria das pessoas em quase todas as culturas do planeta entende que práticas como suborno, extorsão e maquiagem na declaração de impostos são ilegais.

Uma das principais contribuições acadêmicas do especialista americano - sempre citada nas universidades - foi ter colocado a prática da corrupção dentro de uma fórmula matemática (corrupção = monopólio + poder discricionário - transparência). Se um servidor público tem grande discricionariedade para decidir como executar um serviço no qual o Estado é monopolista, só um sistema de prestação rígido e bem definido criará um desestímulo à corrupção, raciocina.

Klitgaard recorre a essa fórmula para sustentar a tese de que a corrupção nada tem de crime passional, mas emerge de um cálculo minucioso das oportunidades e riscos de praticar um ato ilegal. "Tratando-se de um crime econômico, a corrupção não é como sair dirigindo bêbado pela cidade ou matar o sujeito que está dormindo com a sua mulher", exemplifica. "É fruto de um cálculo: será que eu devo entregar essa propina, quais são os riscos de eu ser pego, quais são as prováveis punições? Por isso, para atacar a corrupção de forma bem-sucedida, é preciso influenciar justamente esse cálculo."

A isso Klitgaard chama "pensar em sistemas corruptos no lugar de indivíduos corruptos". Reduzir o monopólio, em outras palavras, significa aumentar a competição, segundo o especialista. Em licitações, por exemplo: ele defende o uso da internet para pregões eletrônicos e cita um caso exitoso na Argentina, em que o poder público conseguiu diminuir a corrupção nos hospitais ao divulgar em toda a rede hospitalar os preços pagos pelos equipamentos adquiridos por cada unidade. Por limitar o poder discricionário, Klitgaard cita uma estratégia usada pela prefeitura de La Paz: distribuir cartilhas, em três idiomas locais, com todas as regras sobre construção de casas, abertura de empresas e outras atividades - limitando o espaço para extorsão.

O especialista acrescenta medidas administrativas que podem gerar resultados: aproximação dos salários de funcionários públicos aos rendimentos pagos pela iniciativa privada, um sistema de promoções e recompensar aos servidores mais destacados, e metas quantitativas em órgãos governamentais (por exemplo, de redução nos preços pagos por quilômetro de estrada asfaltada).