Título: Executivos cada vez mais na mira da lei
Autor: Valenti, Graziella e Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2007, Empresas, p. B2

Há quase cinco anos, um alto executivo de uma grande empresa viveu um dilema pessoal. Presidente de uma companhia com mais dinheiro do que dívidas, escolheu emprestar recursos ao seu controlador, em vez de deixá-lo quebrar. Enfrentou queixa dos acionistas minoritários, mesmo acreditando que tal medida fosse melhor do que deixar o dono falir. Neste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu condenar esse executivo e inabilitá-lo por essa sua opção. O assunto seguirá ao Banco Central, por recurso do executivo.

Esse caso é um entre tantos exemplos da postura que vem se tornando mais freqüente na autarquia ao longo dos anos: indiciar um número maior de administradores pelas irregularidades cometidas na gestão de empresas abertas. Esse aumento da responsabilização dos executivos e conselheiros já vinha sendo notado pelos participantes do mercado.

Agora, essa tendência acaba de ser constatada também por uma pesquisa realizada por grupo de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Universidade de São Paulo (USP) e da Interlink Consultoria com os julgamentos da CVM em processos societários entre 2000 e 2006, até junto.

Viviane Muller Prado, professora de Direito da FGV, destaca que houve uma evidente alteração na conduta da CVM. O número de acusados aumentou, especialmente, a partir de 2005. Essa conclusão deve-se à mudança no padrão dos julgamentos. Cresceu a proporção de casos envolvendo punição e absolvição, simultaneamente. "Este resultado decorre da opção da CVM em acusar os envolvidos na administração (...) independentemente de uma maior investigação a respeito da individualização de suas condutas", dizem os especialistas, no texto com as conclusões da pesquisa.

O estudo realizado pelos advogados e consultores, avaliou 101 processos julgados pela CVM. Em 80 deles, os diretores aparecem como acusados, os conselheiros figuram em 66 e os controladores, em quatro. Conforme a acusação, a autarquia pode multar, advertir, suspender e até inabilitar executivos e outros profissionais.

Processos que ainda aguardam julgamento confirmam a conclusão do estudo. No caso da incorporação da empresa móvel Oi, do grupo Telemar, são 17 acusados e, na incorporação da Trikem pela Braskem, nove executivos terão de se defender.

Marcelo Trindade, presidente da CVM, que estará à frente da autarquia até julho, diz que existia uma cultura muito focada na punição do controlador, mas que aos poucos foi se modificando. "No mercado, os investidores quando compram ações estão confiando o dinheiro para os administradores. Há um hábito de pensar em punir o controlador, que deve sim, também, ser punido, quando se configura o abuso de poder de controle. Mas isso não pode ser pretexto para desculpar o administrador, caso ele esteja implicado, como se este fosse um mero fantoche."

Edison Garcia, superintendente da Associação dos Investidores de Mercado (Amec), acredita que a visão da CVM é positiva para o desenvolvimento do ambiente empresarial. Marcos Duarte, sócio de uma das gestores mais ativas nas recentes disputas societárias, a Pólo Capital, conta que adotará essa mesma postura também nas queixas que levar à CVM e à Justiça. "Se o país quer mesmo mudar de patamar, o fim da impunidade é essencial. A poupança privada precisa ser sagrada."

Porém, a professora da FGV acredita que é difícil falar em melhora do mercado, com base apenas no estudo que realizou. Ela explica que houve aumento não apenas das acusações, como também das absolvições. Em 2000, 40% dos casos foram encerrados contendo punições e absolvições. Em 2006, esse porcentual - com a punição de alguns e absolvição de outros envolvidos - saltou para 73%, nas avaliações feitas até junho.

Para Viviane, esse resultado pode ter duas justificativas: a decisão da CVM de indiciar os administradores potencialmente envolvidos, incluindo pessoas sem vínculo direto com a irregularidade e, portanto, inocentes; e uma eventual carência do órgão em aparatos para suas investigações. Boa parte das absolvições ocorrem por insuficiência de provas e também pela não caracterização da infração.

É importante notar que nos julgamentos dos últimos anos, apesar da tendência da comissão de inquérito (área técnica da CVM) de indiciar vários administradores, a diretoria colegiada tem reiteradamente baseado suas decisões no princípio da responsabilidade individual. Na prática, significa que aplica penalidade apenas aos administradores diretamente envolvidos com o problema detectado.

Na avaliação de Trindade, se o controlador tiver no administrador uma barreira para eventuais práticas inadequadas, isso será saudável para o mercado. Para que isso ocorra é preciso punir o administrador quando ele falta com o dever de diligência. "Entre os deveres do administrador está defender o melhor interesse da companhia em primeiro lugar."