Título: Argentinos enfrentam italianos
Autor: Marcia Carmo
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2005, Finanças, p. C1

O secretário de Finanças da Argentina, Guillermo Nielsen, enfrenta hoje, em Roma, na Itália, a escala mais difícil da sua turnê internacional. Ele está viajando, desde a semana passada, para tentar convencer os investidores externos a aceitarem a proposta de reestruturação da dívida do seu país. Os 450 mil italianos (15% do total da dívida) prometem protestos nas ruas da cidade contra o desconto de mais de 60% nos seus investimentos. Nielsen teme ser seguido pelas manifestações, mas disse que não está pessimista. "Acreditamos num alto índice de aceitação a essa troca de títulos, mas ainda não podemos cantar vitória", disse, em entrevista ao jornal Clarín. No fim de semana, fundos de investimentos de quatro bancos, instalados na Argentina, publicaram anúncios nos principias jornais do país para informar que estão aderindo à oferta do governo do presidente Nestor Kirchner. Os bancos BankBoston, Citibank, Francês e Santander-Rio decidiram participar da troca dos 152 papéis, em moratória há três anos, por três novos bônus (Par, Quase Par e Discount), afastando a possibilidade de qualquer tipo de reclamação. Eles ressalvam, porém, que cada investidor deverá fazer sua própria análise sobre os "benefícios e riscos" que a medida implica. A iniciativa dos fundos de investimentos soma-se à das Administradoras dos Fundos de Pensão e Aposentadorias (AFJPs). Elas contam com 10 milhões de associados argentinos, pouco mais de 30% da população nacional. Na sexta-feira, no dia em que arrancou a troca dos títulos da dívida, a Caixa de Valores, responsável pela operação na Argentina, informou que elas foram as primeiras a formalizar a aceitação dos novos bônus. Segundo Luis Corsiglia, da Caixa de Valores, naquele dia, pelo menos 20% do total de investidores que aplicaram na dívida argentina em moratória de US$ 81,8 bilhões, aderiram à reestruturação. O economista Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados, disse que já era previsível que a operação começaria com 36% garantidos. "O mistério está no exterior", disse. "Daqui para frente serão seis semanas de expectativas, até o dia 25 de fevereiro, durante as quais vamos ter que acompanhar esse resultado, diariamente". O índice final de adesão, a ser divulgado em 18 de março, ainda é uma incógnita. Uma das poucas certezas é a dificuldade, segundo diferentes analistas, para que a Argentina volte a ser considerada país confiável pelos grandes investidores. "Seja qual for o resultado, não podemos falar em sucesso", destacou o economista Carlos Melconian, que esteve cotado para ser ministro da Economia do ex-presidente Carlos Menem. "Mesmo que se consiga 80% de adesão, o estrago já está feito. Uma das provas foi o anúncio do governo da Espanha de que, a partir de agora, vai escolher o Brasil como principal destino de seus investimentos na região". Na opinião do economista Miguel Bein, vice-ministro da Economia de José Luis Machinea, no governo de Fernando de la Rúa, o índice de aceitação ficará em 77,5%, mas a Argentina, entende, tem outro problema a solucionar: o pouco volume das suas exportações. Talvez pela falta de crédito que ainda castiga diferentes setores, como efeito da moratória daquela dívida pública privada. O economista Arturo Porcekanzky, do ABN Amro, disse que a grande pergunta agora é saber qual será a relação do Fundo Monetário Internacional (FMI) com a Argentina, caso a adesão fique abaixo dos 60%. "A outra pergunta é: quanto tempo vai demorar para que os investidores voltem a confiar no país. Três, quatro anos ou mais?". A relação com os organismos multilaterais de crédito, as exportações, o desempenho da economia brasileira, os investimentos e o ritmo da inflação são apenas alguns dos itens que interessam sobre a Argentina. Nela, está ainda o peso político das decisões do presidente Nestor Kirchner, como ressaltou um economista do Banco Itaú, para quem o mercado está de olho no destino que o governo dará ao superávit fiscal recorde, registrado em 2004. A Casa Rosada e o Ministério da Economia entendem que o fim da moratória será decisivo para que o presidente Kirchner possa concretizar as obras programadas e obter peso favorável nas eleições legislativas deste ano. Ontem, a Fundação Capital informou que os investimentos estrangeiros triplicaram no ano passado frente ao ano anterior. Mas que o resultado de 2005 dependerá da troca de papéis da Argentina. Num verão com altas temperaturas e num momento em que a economia avança a um ritmo superior aos 8%, o especialista em energia elétrica, Ricardo Molina, ligado ao ex ministro da Economia, Ricardo Lopez Murphy, afirmou que desta etapa também depende a luz no país. "Os contratos com as empresas privatizadas começarão a ser negociados este ano. Dependendo do clima, pós-moratória, tudo poderá ser mais fácil ou mais difícil". A Argentina vive mesmo dias decisivos para seu futuro.