Título: Os acordos nas investigações de cartel
Autor: Rosenberg, Barbara
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Sem muito alarde e no contexto da conversão de uma medida provisória, foi publicada no dia 31 de maio a Lei nº 11.482, que trouxe uma relevante e imediata implicação para as empresas e indivíduos investigados por práticas de cartel. Ainda que a nova lei aprove uma alteração pontual para os chamados termos de compromisso de cessação de prática, e que permaneça a grande expectativa em relação à reformulação geral da Lei de Defesa da Concorrência - a Lei nº 8.884, de 1994 -, a modificação pode ser fundamental, na medida em que torne mais eficiente e eficaz o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) em benefício daqueles por ele implicados.

Até a aprovação da mencionada lei, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) estavam autorizados a celebrar termos de compromisso de cessação de prática no curso de grande parte das condutas investigadas pelo SBDC. Em moldes semelhantes aos termos de ajustamento de conduta firmados pelo Ministério Público - e mediante o compromisso da parte investigada de não mais continuar com a conduta -, o antigo termo de compromisso trazia benefícios para ambos os envolvidos: para as empresas ou pessoas investigadas, o processo administrativo era suspenso sem ônus econômicos e sem que a prática seja considerada ilícita; para as autoridades, a conduta supostamente anticompetitiva era cessada sem a necessidade de despender mais recursos públicos significativos com a investigação.

Contudo, este instrumento tem sido, até o momento, pouco utilizado no contexto das investigações em curso perante o SBDC, talvez pelo fato de que grande parte dos casos em andamento visa a apurar a existência de cartel e, até o advento da Lei nº 11.482, o termo de compromisso de cessação de prática não era aplicável a esses casos.

Sob o argumento da necessidade de garantir às autoridades brasileiras instrumentos que tornassem mais efetivo o combate aos cartéis, a Lei nº 8.884 sofreu substanciais alterações em 2000: introduziu-se a possibilidade de celebrar acordos de leniência, permitiu-se à SDE, mediante autorização judicial, realizar buscas e apreensões em empresas e ainda vedou-se a possibilidade de celebração de acordos para suspender investigações de cartel. Alegava-se que a realização desses acordos, após o início de uma investigação de cartel, geraria incentivos aos agentes privados para agir de forma combinada, pois poderiam, sem qualquer ônus, por fim à investigação.

-------------------------------------------------------------------------------- A modificação pode ser fundamental para tornar mais eficiente e eficaz o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência --------------------------------------------------------------------------------

Assim, até a aprovação da Lei nº 11.482, iniciada uma investigação de cartel na SDE, ainda que o investigado quisesse colaborar com a autoridade para pôr fim à investigação, não lhe restava outra alternativa que não apresentar suas razões e aguardar uma decisão final. Na prática, dada a impossibilidade de fazer acordo, muitos processos acabam se prolongando com a adoção de medidas judiciais adotadas durante seu curso e após a decisão do Cade. Neste contexto, a alteração trazida pela nova lei é radical: passa a permitir que investigações de cartel sejam suspensas por meio de uma nova modalidade de termos de compromisso de cessação de prática, mediante o pagamento de contribuição pecuniária que não seja inferior ao valor da multa prevista na Lei nº 8.884 e desde que a celebração ocorra antes do julgamento do caso.

Na medida em que a SDE foca suas atividades e estimula a celebração de acordos de leniência, o número de complexas investigações de cartel pela SDE aumenta. Em decorrência disso, é possível especular que o principal objetivo de mencionada alteração legislativa seja diminuir a duração das investigações em curso nos órgãos antitruste, permitindo um melhor aproveitamento de seus recursos, ao mesmo tempo em que possibilita a empresas e indivíduos pôr fim a investigações que afetam sua reputação e consomem recursos privados - ainda que devam arcar com obrigação de cunho pecuniário que, em muitos casos, poderia ser postergada, mas provavelmente não eliminada. De fato, as alterações introduzidas pela Lei nº 11.482 aproximam o atual instituto do termo de compromisso de cessação de prática ao "plea bargain", recurso cada vez mais utilizado e reconhecidamente eficiente para solucionar casos antitruste nos Estados Unidos.

Alguns efeitos práticos dessa lei ainda são incertos, especialmente porque sua regulamentação depende de uma resolução a ser editada pelo Cade, bem como pelo fato de o conselho ter discricionariedade para celebrar ou não o acordo e para definir a multa que será aplicada. Igualmente, não está claro no texto da lei se a celebração do novo termo de compromisso de cessação para casos de cartel implicará o reconhecimento da ilicitude da prática investigada, aspecto relevante para avaliar o risco tanto no que se refere a eventuais repercussões do caso na esfera penal quanto em termos de possíveis ações judiciais que visem ao ressarcimento de montantes por clientes e consumidores, as quais são especialmente usuais em outras jurisdições.

Resta agora observar como reagirão as autoridades diante dessa relevante alteração, já que tal reação revelará a real efetividade e eficácia esperada do novo termo de compromisso de cessação de prática, na medida em que impactará a postura das empresas perante as autoridades nos casos em andamento, bem como afetará as políticas de conformidade legal das empresas e o comportamento de seus executivos.

Barbara Rosenberg é advogada e sócia do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados e ex-diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. Com a colaboração dos advogados Gabriela Ribeiro Nolasco e José Carlos da Matta Berardo, do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados

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