Título: Plano ignora economia da imigração ilegal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2007, Internacional, p. A12

"Quão babaca tem de ser uma pessoa para se opor à imigração?" Essa indagação é maliciosamente colocada, e engenhosamente respondida, em recente post no blog YouNotSneaky, dedicado a questões econômicas.

O autor do blog diz que um trabalhador não especializado pode ganhar US$ 9,34 por hora nos EUA, contra penas US$ 2,56 no México. Ele também admite que os migrantes comprimem os salários de trabalhadores americanos não especializados em 5% - uma estimativa geralmente citada. Assim, os trabalhadores mexicanos têm um enorme ganho quando viajam para o vizinho ao norte, ao passo que os trabalhadores americanos não especializados têm uma pequena perda, na pior das hipóteses.

Para justificar sua oposição à imigração, conclui o blog, você precisaria atribuir pelo menos 20 vezes mais importância ao bem-estar de um americano nativo do que a um mexicano.

Esse tipo de cálculo não preocupará os políticos americanos, que estão atarefados na tentativa de solucionar o "problema" da imigração ilegal. O Congresso acena com uma solução extremamente necessária à conquista da cidadania para os cerca de 12 milhões de pessoas já ilegalmente no país. Mas a solução poderá revelar-se pior do que o status quo, tanto para futuros migrantes como para americanos nativos.

O "plano conciliatório", concebido por um grupo bipartidário de senadores - que foi arquivado pelo Senado, mas trazido de volta à pauta após o presidente George Bush prometer mais fundos para a vigilância de fronteiras -, oferece aos imigrantes ilegais em potencial uma rota legítima de acesso aos EUA, mediante um programa temporário para trabalhadores visitantes, os cerca de 500 mil trabalhadores não especializados que cruzam furtivamente a fronteira. O visto concedido aos visitantes teria validade de dois anos e poderia ser renovados até três vezes. A idéia é que, se a porta da frente for entreaberta, ninguém sentirá necessidade de se esgueirar pelos fundos.

Infelizmente, o plano dos senadores ignora a equação econômica da imigração ilegal. Os parâmetros dessa equação são analisados em recente estudo de Gordon Hanson, da Universidade da Califórnia, em San Diego. Ele enfatiza a crescente escassez de mão-de-obra não especializada nos EUA. Desde 1960, a participação de trabalhadores nativos sem formação ginasial completa caiu de 50% para 12%.

Em resposta, a imigração ilegal revelou-se um sistema relativamente eficiente para casar os trabalhadores em busca de trabalho com empregadores necessitados dessa mão-de-obra. Cerca de 24% dos trabalhadores agrícolas, 17% do pessoal de limpeza e 14% dos trabalhadores de construção civil são estrangeiros fazendo seu trabalho ilegalmente.

Essa força de trabalho é geograficamente móvel e sensível às condições econômicas nos EUA ou em seu país natal. Um estudo na década de 90 revelou que uma queda de 10% na remuneração dessas pessoas no México, em comparação com os EUA, provocou aumento de 6% nas tentativas de atravessar a fronteira. Recentemente, os incentivos passaram a funcionar no sentido inverso. Um desaquecimento nas remessas de dinheiro para o México e outros países da América Central sugere que a queda brusca dos preços das moradias e o desaquecimento no setor de construção civil residencial pode ter reduzido o ritmo da imigração ilegal.

Essa eficiência está, infelizmente, ausente do plano do Congresso para o trabalhador visitante. O esquema inicial dos senadores contemplava cerca de 400 mil vistos por ano, um número não muito distante da estimativa de entradas ilegais. Mas o número já foi reduzido para 200 mil e não variará em função de condições econômicas. Os empregadores terão de provar que não conseguem encontrar um americano disposto a trabalhar para que possam entrar com pedidos de vistos de permanência para estrangeiros. E os imigrantes em potencial deverão obter um nada consta em sua folha corrida e submeter-se a exame médico antes de sua chegada aos EUA. Já nos EUA, qualquer mudança de empregador obrigará o imigrante a novos percalços burocráticos.

Em suma, tanto os empregadores americanos como os imigrantes em potencial provavelmente não considerarão o canal alternativo para trabalhadores visitantes tão atraente quanto as rotas ilegais atualmente já trilhadas. Não surpreende, assim, que os senadores queiram tornar a imigração ilegal menos atraente. O projeto de lei bipartidário promete cerca de 6 mil guardas de fronteira extras, centenas de quilômetros de novas barreiras e um enorme banco de dados para checar o status legal dos trabalhadores.

Valerá a pena todo esse policiamento e barreiras? A imigração ilegal, afinal de contas, é uma benção para a economia como um todo, produzindo um ganho econômico líquido mediante um mecanismo bastante semelhante ao da ampliação do livre comércio. Um afluxo de trabalhadores não especializados pode pressionar os salários de seus concorrentes locais, mas beneficia as empresas que os contratam e é vantajoso para consumidores, que assim gastam menos para que seus gramados sejam cortados e seus filhos, cuidados.

Contra esse ganho econômico há um custo fiscal, como os adversários da imigração são rápidos em destacar. Os imigrantes ilegais, com sua baixa capacitação e grandes famílias, provavelmente consomem mais em serviços governamentais, como educação e saúde, do que pagam em impostos. O impacto fiscal exato é controvertido. Em termos líquidos, o governo federal provavelmente sai ganhando, ao passo que os Estados, que arcam com uma parcela maior dos custos de ensino e do atendimento de saúde emergencial, saem perdendo.

Os contribuintes atuais podem ser punidos, pois precisam pagar pela educação dos filhos de imigrantes ilegais. Mas os futuros contribuintes poderão sair ganhando - essa nova primeira geração americanos será, provavelmente, bem mais remunerada do que seus pais e, portanto, fará crescer o contingente de contribuintes futuros.

No curto prazo, a carga fiscal imposta pelos imigrantes ilegais poderá preponderar sobre os ganhos econômicos que proporcionarem. Em outras palavras, o americano nativo médio tem uma renda maior, antes dos impostos, graças à fronteira "porosa" do país, mas sua renda depois dos impostos pode ser marginalmente menor. Tudo somado, Hanson acredita que a imigração ilegal pode custar ao americano nativo cerca de 0,07% do Produto Interno Bruto.

Mas esse custo líquido, se é que de fato existe, é indiscutivelmente menor do que o preço para impedir a entrada dos trabalhadores ilegais. Desde 2001, o Congresso mais que dobrou a verba gasta na "impermeabilização" das fronteiras e para fazer valer as leis de imigração. Um plano desnecessariamente complicado para regulamentar a presença de trabalhadores visitantes e uma guerra dispendiosa para reprimir os esforços dos penetras são más idéias - mesmo se você não der a mínima pelo bem-estar dos imigrantes em potencial.

(Tradução de Sergio Blum)