Título: Corte de juros isolado não sustenta expansão do PIB
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/06/2007, Opinião, p. A16

A ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), divulgada na quinta-feira, trouxe as justificativas para a mudança no ritmo de queda da taxa de juros (Selic). O Copom decidiu ampliar o corte da Selic, de 0,25 para 0,5 ponto percentual, porque a valorização do real frente ao dólar e o aumento das importações estão ajudando a manter a inflação sob controle. O dólar fraco barateia os preços dos produtos fabricados no exterior, estimulando as importações. De fato, de janeiro até a segunda semana de junho, as compras externas cresceram em ritmo acelerado - 24,3%. Como assinalou o Copom, as importações vêm contribuindo para aumentar a oferta agregada, diminuindo o descompasso entre produção e demanda domésticas.

A entrada de produtos baratos no país força a concorrência interna a segurar os preços. Um terceiro efeito do câmbio valorizado é a diminuição do custo de produção das empresas, na medida em que estimula importações de bens de capital (máquinas e equipamentos). Até maio, essas compras cresceram 23,4%, respondendo por mais de 20% das importações brasileiras. Já é uma tradição no Brasil o setor produtivo aproveitar os momentos de câmbio valorizado para adquirir maquinário importado. Isso não estaria acontecendo no ritmo atual se os empresários não estivessem acreditando na estabilidade da economia e no aumento da demanda a curto e médio prazo.

Na avaliação de cinco dos sete integrantes do Copom, o setor externo está tendo, portanto, uma influência "predominantemente benigna sobre as perspectivas de inflação". Os diretores do BC não vêem perspectiva de uma desvalorização acentuada do real a curto prazo. Tudo isso levou o mercado a acreditar que, em pelo menos duas, das quatro reuniões do Copom até o fim do ano, a taxa Selic sofrerá corte de 0,5 ponto percentual.

Acredita-se que, depois disso, o ritmo de queda voltará a ser de 0,25 ponto percentual a cada rodada do Copom, o que levará a taxa básica de juros, em dezembro, a 10,5% ao ano. Descontada a inflação, o país poderá chegar ao fim do ano com juro real em torno de 7%. Trata-se de um patamar historicamente baixo, mas, ainda assim, altíssimo quando comparado ao da maioria das economias. O momento econômico vivido pelo Brasil é bastante positivo, mas não há espaço para euforia. É mais ou menos o que diz o Copom na sua ata, que traz recados sinalizando que, em algum momento, o BC pode ser forçado a conduzir a política monetária com "parcimônia". De forma textual, o Comitê diz que "o ritmo de expansão da demanda doméstica pode colocar riscos para a dinâmica inflacionária no médio prazo". Os dois diretores do BC que saíram vencidos na última definição da Selic lembram que a a expansão da demanda ocorre não apenas entre os bens transacionáveis, mas também entre os não-transacionáveis, ou seja, está havendo aumento de consumo de bens que não podem ser importados. A ata adverte que parte dos estímulos monetários ainda não teve efeito pleno sobre a economia e que existe incerteza sobre como os cortes de juros afetarão a inflação.

São poucos os especialistas que duvidam hoje da capacidade de o Produto Interno Bruto (PIB) se expandir em torno de 4% ou 4,5%, neste e nos próximos três anos. Mas é crescente a percepção de que o país não tem fôlego para ir muito além disso, sem provocar aumento da inflação. Para a economia crescer mais rápido, as autoridades teriam que reduzir os custos de produção, o que exigiria a diminuição tanto da carga tributária quanto dos gastos do governo. Claramente, não há disposição política hoje em Brasília para nenhuma das duas tarefas. Sem isso, o crescimento da oferta continuará limitado, o que, por sua vez, restringirá a expansão do PIB.

Num artigo recente, o economista Rogério Werneck mostrou que a alta de 4,3% do PIB no primeiro trimestre resultou da combinação de um crescimento real de 3,9% do valor adicionado, calculado a preços básicos (sem tributos), com um aumento de 6,9% da receita real proveniente dos tributos incidentes sobre bens e serviços. "Isto significa que a carga de impostos indiretos continua crescendo muito mais rápido que a produção", adverte, acrescentando que as receitas federais, que incluem a maior parte da tributação direta, evoluíram a uma taxa duas vezes e meia maior que a do PIB. Trata-se de um contra-senso para quem aspira ter a economia crescendo acima de 4% ao ano.