Título: Sigilo bancário: a lição das más experiências
Autor: Antonio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Quem lê os jornais com freqüência se cansa de ouvir reclamações de funcionários do Executivo, de membros do Ministério Público e de parlamentares que querem o poder de acessar nossas contas bancárias sem a necessidade de passarem pelo crivo judicial. Sempre no mesmo diapasão, os argumentos contrários à proteção ao sigilo bancário vão do ditado "quem não deve não teme" à frase de efeito "os criminosos empregam métodos tecnológicos velozes, tornando imperiosa a aplicação de modernos meios de investigação". Na perspectiva do direito, nem o apelo à cultura popular e nem o diagnóstico novidadeiro conseguem abalar a convicção de quem estuda o texto constitucional e entende a tripartição do poder do Estado. Muito menos convence a quem reconhece a privacidade como um valor para cada um de nós e para a sociedade brasileira como um todo. Entretanto, raciocinar nessa linha lógica é inútil, na medida em que os opositores à tutela judicial do segredo bancário levam o debate ao campo da emoção, quando não buscam vencer a discussão a partir de mentiras, algumas recheadas de dados econômicos, fiscais ou criminológicos pouco confiáveis. Observe-se que, dentre as inverdades alardeadas ao público em geral, estão assertivas no sentido de que existiria uma suposta antítese entre a investigação dos crimes, praticados por agentes com poder econômico ou ligados a "organização criminosa", e os direitos assegurados na Constituição da República. Sem vergonha, trilhando o mesmo caminho do direito alemão do período nazista, sugere-se um "tratamento diferenciado para uma espécie de ilícito diferente dos demais" e se propõe, para as investigações sobre tais fatos, métodos de perquirição distantes das regras jurídicas, intituladas de rígidas e retrógradas. Com isso, quer-se negar ao indivíduo a faculdade de invocar direitos, ainda que os mais simples, como o direito de conhecer a imputação, a qual lhe é feita, antes de responder a perguntas de quem quer que seja. E todo o arsenal acusatório se justificaria em nome da "defesa da sociedade brasileira", como na Alemanha se venerava no passado o "são sentimento do povo" - bandeiras que acabam por permitir a violação de princípios jurídicos consagrados desde o século XVIII, cuja transgressão leva ao abalo da almejada paz social em curto prazo. Para a sorte do cidadão, fatos recentes vêm pôr em xeque a vantagem que referidos justiceiros levavam sobre os defensores da legalidade. Afinal, no curso de perquirições públicas sobre a origem de determinados bens e valores, têm ocorrido divulgações indevidas à mídia de nomes de investidores e de operações financeiras, evidência que mostra a impropriedade de conferir a qualquer funcionário público o poder de obter e guardar dados bancários confidenciais.

O primeiro a perder com a publicidade indevida é o próprio Estado, que tem as investigações fadadas ao fracasso

Ora, seguindo a lógica dos que negam o sigilo bancário como um direito, o primeiro a perder com a publicidade indevida é o próprio Estado, que tem as investigações criminais fadadas ao fracasso, pois tais notícias fazem desaparecer o produto do crime e as respectivas provas. Depois, sofrem os responsáveis pelas devassas que passam de inquisidores a investigados, porque, pela letra da lei, quem não preserva dado sigiloso, ou o divulga, pode vir a responder a inquérito policial e a processo administrativo. Sem falar na obrigação de indenizar os lesados pela quebra do dever de preservar o segredo. Na seqüência, o prejuízo se espraia para a sociedade, a qual tem de conviver com o escândalo do momento, inflado por interesses políticos, com objetivo de evitar o debate sobre problemas mais sérios, bem como de culpar alguém pela situação. Percebe-se, sem esforço, que a ineficácia de tais ondas persecutórias acarreta o descrédito nas instituições, com reflexos no âmbito social e econômico. Pois, passamos semanas com o foco sobre determinado fato e, depois, como um fim de novela inesperado para a maioria, se descobre que as informações não eram fidedignas e que a forma como foram obtidas não se apresentavam legítimas. Todavia, no correr dos dias, degradou-se o mais esquecido de todos. Padece o indivíduo que vê o nome divulgado na imprensa, graças a informes parciais quanto a operações lícitas, com alusões maldosas de que teria surrupiado algo de alguém, desconhecidos. Este tem de explicar às pessoas, por exemplo, que se utilizou de instrumentos legais de remessa de dinheiro ao exterior, sempre com a certeza de que os interlocutores não acreditam nesta versão dos fatos e preferem encará-lo com um lavador de dinheiro sujo. Se todas as más conseqüências da indevida propalação de dados bancários não servirem para demonstrar, ainda que por indução, que só o juiz de direito, imparcial, deve determinar a quebra de sigilo bancário, devendo autorizá-la somente nas hipóteses legais e de maneira fundamentada, garantindo a preservação dos dados para os fins judiciais, nós podemos, ao menos, tirar uma lição: os brasileiros não valorizam o Estado democrático de direito.