Título: Desvio de repasses atinge 3% das cidades
Autor: Ilton Caldeira
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2004, Especial, p. A12

O programa de fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU) apontou a existência de graves irregularidades com recursos públicos federais em pelo menos 20 cidades das cerca de 680 já fiscalizadas entre abril de 2003 e novembro de 2004. De acordo com a CGU, nos demais 660 municípios já fiscalizados há com casos considerados de menor gravidade como erros de gramática e de redação em contratos, mas sem indícios de fraude. Nos municípios em que se encontraram irregularidades graves, aproximadamente R$ 162 milhões em recursos repassados pela União foram desviados. A cidade de São Francisco do Conde, no interior da Bahia, foi o município que apresentou o maior número e as mais graves irregularidades segundo a CGU (ver matéria ao lado). Mas apesar disso, o atual prefeito, Antonio Carlos Vasconcelos (PFL), foi reeleito com 99,5% dos votos válidos. Na avaliação do ministro-chefe da CGU, Waldir Pires, o caso de São Francisco do Conde é fruto de um quadro clientelista e do coronelismo que ainda predomina naquela região do país. "Firmamos parcerias em todos os Estados para que o Ministério Público local tipifique as irregularidades e promova as ações penal e civil e para que possa requerer a indisponibilidade dos bens dos envolvidos em irregularidades com dinheiro público. Mas esse processo também envolve uma mobilização da sociedade para que se amplie a transparência da gestão pública", afirma Pires. Os casos graves são a minoria. Se em São Francisco do Conde ainda não foi possível afastar os envolvidos em irregularidades, o mesmo não aconteceu em Porto Seguro, Cansanção e Mucuri, todos na Bahia, e Satuba, em Alagoas, onde os mandatos dos prefeitos eleitos em 2000, que deveriam terminar em 31 de dezembro, acabaram bem antes com o afastamento ou até mesmo com a cassação pelo desvio de recursos públicos. No caso de Cansanção, entre as irregularidades constatadas está o desvio de um cheque de R$ 135 mil do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), depositado na conta de um "laranja". Os recursos foram utilizados pelo então prefeito José Zito Goés, que acabou cassado, para custear gastos pessoais. Também em Cansanção os auditores encontraram fraudes grosseiras. A prefeitura gastou R$ 230 mil para realizar três cursos de capacitação de professores. Os cursos nunca, pois a empresa contratada é do ramo de comércio varejista de cereais. Nas notas apresentas pela empresa à prefeitura, pelo serviço que não foi prestado, a palavra ensino estava escrita com a letra c: "encino".

O programa de fiscalização da CGU define as cidades que serão auditadas por meio de sorteios públicos. Mensalmente, 60 municípios das cinco regiões do país são escolhidos e têm as contas de obras e serviços prestados examinadas. Mas em alguns casos a fiscalização acontece motivada por denúncias encaminhadas à CGU pela própria população local. O município de Satuba, interior de Alagoas, foi um dos fiscalizados com base em denúncias. Quase 58% dos recursos federais repassados apresentaram indícios de irregularidades, segundo os relatórios da CGU. De R$ 1,9 milhão fiscalizados, R$ 1,1 milhão foram utilizados de forma irregular. Superfaturamento de obras, fraudes nas licitações e uso de empresas fictícias lideram as irregularidades constatadas pela equipe de auditores da CGU, que esteve no município entre julho e agosto. As primeiras denúncias de irregularidades na aplicação de recursos do Fundef em Satuba foram feitas pelo professor Paulo Henrique Costa Bandeira, assassinado no início de junho deste ano, logo após formalizar as denúncias. O ex-prefeito Adalberon de Morais Barros é acusado de ser o mandante do assassinato do professor e está preso aguardando julgamento. Além de Adalberon, encontram-se presos dois seguranças e o motorista do prefeito. O ex-prefeito deve responder ainda por crimes de superfaturamento, estelionato, fraude em licitações, uso de notas fiscais frias e emprego irregular de verbas públicas. A Polícia Federal também indiciou Adalberon de Morais Barros, por crime contra a ordem econômica e desvios de recursos do Fundef. Entre os problemas mais comumente constatados pela CGU estão obras inacabadas, paralisadas ou inexistentes, apesar de integralmente pagas, a utilização de notas fiscais frias, superfaturamento de preços, irregularidades em contratos e simulação de licitações. O maior número de irregularidades ocorre com recursos do Fundef e com os repasses para a área de saúde e obras de infra-estrutura.