Título: Alckmin diz que vai percorrer país para organizar PSDB à disputa municipal
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2007, Política, p. A7

Depois de quatro meses nos EUA, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), candidato derrotado nas eleições presidenciais , retorna em definitivo ao país. Com dubiedades. Diz que percorrerá o país para reconstruir o partido, mas nega tentativa de firmar seu nome em âmbito nacional ou desejo de encampar seu nome para a presidência da sigla. A viagem seria custeada pelo ex-governador, que pretende combinar a caravana com palestras pagas.

Afirma que em 2008 pretende ajudar a legenda nos mais de cinco mil municípios brasileiros, embora não afaste a possibilidade de concorrer à Prefeitura de São Paulo. Diz ainda que PSDB e DEM devem estar juntos na disputa pela capital, o que esvazia especulações sobre candidaturas separadas entre o prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM) e os tucanos.

Sua discrição política, porém, é dissipada quando se trata dos rumos que o PSDB deve tomar. De acordo com ele, o binômio emprego e renda deve ser o ponto central do discurso da reconstrução do partido. E, contrariando correligionários que acreditam na classe média como alvo eleitoral, diz que o partido precisa voltar a ouvir o "pulsar das ruas" e sugere uma aliança estratégica com setores organizados da sociedade civil, o chamado terceiro setor.

Do seu novo escritório político, na área nobre da avenida Nove de Julho, zona oeste de São Paulo, o ex-governador falou ontem ao Valor. Contou detalhes de sua temporada nos EUA, como a amizade feita com Arnon Collor, filho do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Um "bom menino", segundo ele. Falou ainda sobre os cursos que fez em Harvard. Foram dois. Um no Instituto Weather Head Center, com 16 "fellows" de 14 países diferentes, onde estudou temas mundiais, como Aids, energia nuclear, conflitos religiosos e reunificação de países. O outro, na Kenneth School, em que estudou megacidades. O nome do curso: "Leading Cities". Ainda assim, Alckmin negou qualquer pré-preparação para 2008. A seguir, os principais pontos da entrevista:

Valor: Quais são seus planos para os próximos meses?

Geraldo Alckmin: Pretendo percorrer o país para ajudar o PSDB a organizar o partido para as próximas eleições. É importante ter bases municipais sólidas e oferecer ao eleitorado bons candidatos e com um programa mínimo. Quero ainda agradecer aos votos que tive e fortalecer a oposição. Também vou dar aula em duas universidades paulistas.

Valor: O senhor pretende, no roteiro pelo país, se credenciar para assumir o partido no congresso deste ano ou tornar seu nome nacional?

Alckmin: Não tem nada de personalismo nisso. Não tenho também interesse em nenhum cargo partidário, não há nenhuma manobra eleitoreira. Esse eleitorado votou em mim para ser presidente. Não sendo eleito, para ser oposição. É tão patriótico você ser oposição quanto ser governo. A pior coisa que pode haver para o país é não ter oposição.

Valor: O país tem oposição hoje?

Alckmin: O padre Manuel Bernardes dizia que a omissão é o pecado de não fazer, fazendo. Mas não é fácil fazer oposição no Brasil. Ainda mais com um governo de estilo autoritário. O governo montou a maior maioria que se tem notícia. A oposição hoje não tem 140 votos. Agora, para que isso? Tem que ser para fazer as reformas estruturantes. A (reforma) fiscal, reduzindo a carga tributária; a tributária, começando pelo ICMS; a da Previdência; a trabalhista.

Valor: Mas o PSDB colaborou em questões importantes para a consolidação dessa maioria, como na eleição de Arlindo Chinaglia (PT) para a presidência da Câmara. Como o senhor vê a atuação do partido?

Alckmin: Questões partidárias se discutem dentro do partido. Eu vou lutar para o partido ter uma oposição maiúscula, não rancorosa, não pessoal. Agora é fundamental para o país ter uma oposição firme que cobre, fiscalize, proponha. Isso é o interesse público. Oposição madura, séria e firme.

Valor: O PSDB tem agido assim?

Alckmin: Acho que sim, com as dificuldade que temos. Um partido sem muitos parlamentares, uma cultura governista. Quando me elegi prefeito tinha um médico em Pindamonhangaba que era do partido aliado ao regime militar, a Arena. Eu era do MDB. Venci as eleições e ele me disse: "Estamos com o senhor, eu não mudo, quem muda é o governo". Então há uma cultura governista no país que acaba sendo difícil fazer oposição. Mas tem que perseverar. A tarefa nossa é fiscalizar, cobrar e propor. E se preparar para ganhar a próxima.

Valor: Como deve ser a reestruturação do partido? No seminário preparatório para o congresso, houve um consenso de que a classe média deve ser o alvo, já que as classes D e E mantêm forte apoio a Lula. O senhor concorda?

Alckmin: Não. A classe D e E é ligada a nós. Ganhei a eleição em muitos Estados e a população de todas as classes votou em mim. A maioria da população é que decide eleição e a maioria não é classe A nem a classe B.

Valor: Como, então, atrair todas as classes?

Alckmin: Para mim, a questão central é emprego e renda. Esse discurso é para todos. Não há razão para segmentar. A classe média está sofrendo mais porque a carga tributária incide toda sobre ela e os serviços públicos são piores. É a que sofre mais. Mas acho que nossa mensagem deve ser para todos.

Valor: O senhor não acha que há uma barreira que dificulta o acesso do PSDB a essas classes, principalmente depois do governo Lula?

Alckmin: Mais uma razão para ouvir mais o pulsar das ruas. O PSDB inicia seu manifesto dizendo: "Longe das benesses do poder, próximo ao pulsar das ruas". Sempre preguei que o partido precisa amassar mais barro, estar mais perto da população. E é possível. O Aécio teve 80% dos votos em Minas. A mensagem deve ser dirigida a toda a população e com mais enfoque inclusive nos movimentos sociais, não fazendo atrelamento político como o governo faz, com recursos públicos. A boa nova do nosso tempo, do novo século, é a organização da sociedade civil, o terceiro setor. Aliás, temos em São Paulo uma experiência boa. Nenhum dos 21 hospitais que construímos é administrado pelo governo. Todos por entidades do terceiro setor. Temos aí até uma divergência com o PT, que diz que esse setor tem que ser estatal. Nós dizemos que tem que ser público. Os hospitais todos têm contrato de gestão com organizações sociais sem fins lucrativos.

Valor: Há uma diferença. entre movimento social e terceiro setor. Pelo que o senhor diz, o PSDB deve focar no terceiro setor.

Alckmin: Não, as duas coisas. Você foca na sociedade organizada e nos movimentos populares, que às vezes não tem representação jurídica, mas você deve estar perto, próximo, sintonizado.

Valor: E como atrair os movimentos sociais? A relação entre eles e o PSDB nunca foi boa.

Alckmin: Quando me refiro aos movimentos sociais não me refiro ao movimento político. Digo as organizações de bairro, associações comunitárias, que não têm vinculação de natureza partidária, ideológica. É diferente. Refiro-me a algo mais amplo.

Valor: São Paulo é um dos últimos redutos da aliança entre PSDB e DEM. Ela deve ser mantida nas eleições municipais de 2008?

Alckmin: No que depender de mim, sim. Agora, eleição municipal é no ano que vem. Sou contrário a antecipar debate sucessório.

Valor: O senhor não trabalha com a possibilidade de ser o candidato dessa aliança em São Paulo?

Alckmin: Vou trabalhar nas eleições municipais para ajudar o PSDB nos mais 5.500 municípios brasileiros.

Valor: Isso sinaliza que o senhor não tenha uma pretensão eleitoral na capital paulista?

Alckmin: Não. Também não. Eu gosto da política, pretendo continuar. Mas essa questão de candidatura, ser candidato em 2008, ser em 2010, isso o futuro vai dizer. Vamos ouvir o povo, ouvir o partido. São decisões coletivas.

Valor: É que em São Paulo há uma questão maior. O DEM quer manter Kassab no cargo com o apoio de José Serra.

Alckmin: Essa questão eleitoral é para 2008. Cada coisa tem o seu tempo. Ano que vem não tenho dúvida de que teremos um bom candidato, independentemente de eu ser ou não o candidato.

Valor: O que vai determinar o nome do candidato da aliança?

Alckmin: Repito que esse é um tema para o ano que vem.

Valor: Tucanos dizem que existe o "fator Marta", e petistas dizem ter o "fator Alckmin". Se um sair, o outro não sai. Isso existe?

Alckmin: Não sou "expert" em PT e não os vejo como inimigos. Essas questões do PT cabem a eles escolherem. Só sei que estaremos em campos opostos na disputa do ano que vem.

Valor: 2010 é a grande chance do partido retornar ao Planalto?

Alckmin: O PSDB tem tudo para ganhar a eleição. A candidatura do PT também virá forte, porque é a candidatura do governo.

Valor: O senhor está na disputa?

Alckmin: Se 2008 está longe, imagine então 2010. O certo é que o PSDB terá em 2010 um grande candidato. Temos ótimos nomes. O importante é ter uma boa proposta para o Brasil.

Valor: O senhor acredita que os decretos iniciais de reavaliação de contratos e recadastramento de funcionários do governo do Estado na administração José Serra colocaram em suspeição sua gestão?

Alckmin: Não. Foram medidas normais no início de governo. Aliás, conversei com o Serra no telefone e ele está super feliz porque a relação dívida/receita liquida baixou para menos de 1,8. O Estado tinha até 2015 para deixar essa relação em até 2. Nós conseguimos chegar, dez anos antes, a menos de 2.

Valor: O senhor vê possibilidade de PT e PSDB estarem juntos algum dia, como aventou Tasso Jereissati?

Alckmin: Temos uma postura totalmente diferente do PT. Algumas questões passaram a ser suprapartidária, o que é bom. É sinal de maturidade política no Brasil. O PSDB implantou o Plano Real contra o voto do PT. Mas o PT mudou o discurso e defende a estabilidade. Ótimo, a estabilidade virou uma questão suprapartidária. O PT votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas hoje a defende. Virou uma questão suprapartidária. Então, algumas coisas são prova de maturidade política. Há um consenso. Mas temos divergências sérias, por exemplo, na questão democrática. O PT tem um perfil autoritário. Na questão de gestão do Estado também somos diferentes. Veja, são 37 ministérios. É uma visão de governo atrasada

Valor: Quais pontos o senhor defende na reforma partidária?

Alckmin: Voto distrital, fidelidade partidária e cláusula de desempenho.

Valor: E a reeleição?

Alckmin: Para mim é indiferente, não vejo essa questão como programática. Diria até que a reeleição não é um direito dos políticos, é do eleitor. Mas precisaria ser regulamentada para evitar abusos.

Valor: Então o senhor é a favor.

Alckmin: Não vou fazer disso nenhuma luta política. Acho que a reeleição regulamentada é direito do eleitor.

Valor: Em que termos?

Alckmin: Tem uma regra hoje que é assim. Eu era governador de um Estado, tive que renunciar quase um ano antes, nove meses. E o presidente, que vai disputar continua no cargo e com a caneta cheia. Em 2006, Lula gastou 1% do PIB em gastos correntes. Precisa ter o mínimo de regras.