Título: Juro de longo prazo nos EUA aponta mudanças à vista
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Fonte: Valor Econômico, 12/06/2007, Opinião, p. A14

A política monetária dos países desenvolvidos torna-se gradativamente mais apertada, com a elevação dos juros na União Européia, a manutenção da taxa de 5,5% no Reino Unido e o fim das esperanças de um corte a curto prazo no custo do dinheiro nos Estados Unidos. Na quarta-feira, um aviso explícito do presidente do Fed, Ben Bernanke, de que a inflação preocupa o BC americano, foi o sinal para que os títulos do Tesouro americano de 10 anos dessem um salto e atingissem 5,10% na sexta. Ontem o prêmio (yield) subiu ainda mais e foi a 5,15%. A dúvida é se a correção de rumos veio para ficar ou se se trata de um ajuste passageiro.

Um ambiente de pressões inflacionárias se dissemina pelo planeta, conduzindo à alta de juros na Europa, na China, na África do Sul e Nova Zelândia, apenas para mencionar regiões que elevaram recentemente a taxa de juros para tirar o fôlego dos preços. Uma demanda insistentemente forte, puxada pela China, simultânea a aumentos na cotação do petróleo, colocaram os BCs de guarda em toda parte. A onda do biocombustível eleva o preço da comida e a inflação dos alimentos está bem acima da média na zona do euro e nos EUA.

O acelerado crescimento de China e Índia inundaram mercados mundiais com produtos baratos, ao mesmo tempo em que permitiram a utilização da capacidade ociosa de seus fornecedores. Em um primeiro momento, o choque de competição provocado pela China, tanto pelo preço das mercadorias como pelas condições vantajosas de alocação de investimentos, auxiliou a economia global a se expandir rapidamente sem sinais de aquecimento inflacionário. Agora isso parece ter ficado para trás.

A economia global pode estar entrando em uma fase de transição, com políticas monetárias frouxas e recorde de baixa nos juros, cedendo lugar a menor liquidez e taxas mais elevadas. A ameaça inflacionária existe, mas tem sido contida pelos BCs. O que Bernanke disse foi que não era hora de baixar a guarda e que provavelmente não o fará tão cedo. Por outro lado, os números da economia americana não indicam um desempenho fraco a ponto de retirar o risco de elevação dos preços do cenário. Apesar do ritmo pífio de crescimento do PIB no primeiro trimestre, de 0,6%, o consumo continua tão forte quanto nos últimos dois anos. Retirados os efeitos do encolhimento do mercado imobiliário, o consumo cresceu 4,4%. As folhas de salários ainda apontam para cima, o desemprego é baixo e a produtividade está em queda - componentes favoráveis a uma propagação de reajustes. Os investidores se convenceram de que o Fed não se sente tranqüilo com o atual estado das coisas e recolocaram a curva de juros americana em sua posição normal - taxas de longo prazo maiores que as de curto.

As consequências da mudança de nível dos títulos do Tesouro dependerão obviamente de de sua duração e magnitude. Juros maiores encarecerão os investimentos, que não estão em sua melhor forma nos EUA, e terão ímpeto baixista adicional no mercado imobiliário. Os efeitos sobre o mercado global são igualmente importantes. A febre de aquisições por meio de dívidas por parte dos fundos de private equity pode terminar logo, se a alta dos juros prevalecer. Os recordes sucessivos das bolsas dará lugar a uma correção para baixo. O componente especulativo nos mercados de commodities, financiados a um custo ainda baixo, será esvaziado. E a busca por remuneração atraente nos países emergentes, mesmo com risco alto, dará lugar a uma prudência maior e à elevação dos prêmios de risco. O diferencial de taxas em relação ao T-bond cairá e tornará menos atraentes as arbitragens.

Pode estar no início uma etapa de arrumação, com acomodação do crescimento a taxas mais modestas, mas esta não é uma perspectiva segura. A seu ritmo anual, a economia global - hoje em um de seus mais longos períodos de expansão - terá de ser freada e os sinais de pressões inflacionárias que se acumulam podem ser um alerta de que uma virada do ciclo já está próxima. Não há indícios, porém, de desaceleração em nenhum país relevante, com exceção dos EUA - e mesmo assim, ela ainda é muito suave. Com isso os juros tenderão a subir, antes da alta da inflação ou, no pior cenário, depois dela.