Título: Jeceaba queria doces e ganhou uma siderúrgica
Autor: Moreira, Ivana
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2007, Especial, p. A16

Era março de 2005 quando Júlio César Reis, prefeito recém-empossado de Jeceaba, interior de Minas Gerais, bateu às portas da secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico pedindo ajuda para criar empregos na pequena cidade de 6,5 mil habitantes. Pensava em uma cooperativa para fabricação de doces ou coisa parecida. Nem em sonho imaginava algo como o que a secretaria lhe ofereceu: uma usina siderúrgica orçada em US$ 1,6 bilhão.

"Surpresa é pouco, fiquei foi passado", conta Reis, um dentista que se mudou para Jeceaba há duas décadas, recém-formado, em busca de oportunidades, e por lá ficou. O pequeno município venceu uma disputa contra cidades de outros nove países: Venezuela, Rússia, Ucrânia, Argélia, Arábia Saudita, França, Índia, China e Irã.

Mesmo no país, foram várias as cidades candidatas em Estados litorâneos como Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em Minas, pelo menos outros dois municípios estavam na disputa. "Não acreditei que era sério", confessa o prefeito. Então secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas, Wilson Brumer informou o prefeito sobre o investimento que seria feito pelas multinacionais Vallourec e Sumitomo Metals - a construção de uma moderna fábrica de tubos de aço sem costura - mas pediu sigilo. Reis chegou a pensar que era "papo de político", que o assunto acabaria dando em nada. "Imagine, US$ 1,6 bilhão, é difícil até de entender o que é isso."

A receita anual do município é de cerca de R$ 4 milhões. Não há uma única indústria na cidade. Sem qualquer vocação econômica, Jeceaba - a pouco mais de 100 quilômetros de Belo Horizonte - depende dos repasses constitucionais. A maior parte da população sobrevive da agricultura familiar e cerca de 53% dos moradores estão na zona rural. Falta estudo e emprego para os jovens que são obrigados a deixar a cidade se quiserem escapar da lida na roça.

A renda per capita média da população, em 2000, era de R$ 146,78 mensais. Mas 40,7% dos jeceabenses vivem com uma renda per capita média de R$ 75,50 mensais, o que os colocava na linha da pobreza, segundo dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Pesou a favor da minúscula cidade a localização estratégica, bem no início da Ferrovia do Aço, malha operada pela MRS Logística. É la que fica o pátio de manutenção da ferrovia. A posição de Jeceaba é estratégica também no suprimento de energia. O duto da Gasmig, a distribuidora estadual de gás natural, já chegou ao trevo que dá acesso à cidade. A obra faz parte do plano de expansão do gasoduto a partir de Belo Horizonte para o Vale do Aço, uma antiga reivindicação das indústrias da região.

O anúncio oficial do investimento, feito há dois meses, ainda é o principal assunto no centrinho pobre da cidade. "Vai mudar tudo em Jeceaba", resume o presidente da Câmara dos Vereadores, Sálvio Freitas Maia. A toque de caixa, o vereador presidiu há poucas semanas a sessão extraordinária para votação do decreto municipal que expandiu os limites da área urbana e criou o distrito industrial, um terreno de 11 mil metros quadrados.

Em caráter extraordinário, os vereadores votaram também a concessão de benefícios fiscais para a nova usina: por três anos, a empresa estará isenta do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e terá direito à alíquota mínima do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Foi uma exigência dos investidores, segundo o presidente da Câmara.

O governo do Estado, por meio da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), assumiu os custos da desapropriação das propriedades rurais existentes na área que será transformada em distrito industrial. Vai bancar também a infraestrutura necessária, como abertura de ruas, instalação das redes elétrica, de água e esgoto.

Tanto movimento no pacato município, como era de se esperar, enche os moradores de entusiasmo, mas também gera apreensão. "A cidade não está preparada para crescer assim, de uma hora para outra", reconhece o presidente da Câmara. Há quem tema uma "invasão de estrangeiros".

A expectativa do grupo francês Vallourec, majoritário no empreendimento, é de que sejam criados entre mil e 1,5 mil empregos diretos na usina. Somados os indiretos, serão mais de 4 mil novos empregos. Mas, sem formação adequada, é possível que muitos dos moradores hoje desempregados em Jeceaba continuem sem trabalho.

De acordo com dados de 2000, a grande maioria da população adulta de Jeceaba (com 25 anos ou mais) não concluiu sequer o primeiro grau: 84,5% tem menos de 8 anos de estudo. Quase metade (48,5% dos habitantes) não concluiu o ensino fundamental e tem menos de 4 anos de estudo.

De olho no crescimento da cidade, com a chegada de gente de fora, muitos empresários já procuraram o prefeito Júlio César Reis com propostas comerciais. "Queremos limitar o crescimento populacional e evitar uma explosão demográfica na região", avisa o prefeito. Ele conta que, por hora, tem dispensado todas as propostas para abertura de empresas na cidade. Informa que nada será feito em Jeceaba antes que esteja concluído um plano diretor. Segundo ele, a Secretaria de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru) já assumiu a responsabilidade de estruturar este plano.

Preocupado com a falta de mão-de-obra qualificada na cidade, o prefeito pediu ajuda à Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) para abrir cursos do Sesi na cidade, onde só existem três escolas. Eleito prefeito em 2004 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), após perder três eleições, já avisou que é candidato à reeleição. Reis diz que tem o "compromisso moral" de fazer a transição entre o antes e o depois da usina, que deve começar a operar em 2010.

Como será a Jeceaba pós-2010 é uma pergunta que a população ainda não sabe bem como responder. Das janelas das casas simples, nas conversas de fim de tarde típicas das cidadezinhas de interior, os moradores costumam falar mais sobre o que vão perder do que sobre o que podem ganhar.

"Vão é acabar com o meu sossego", reclama Janilson Salatiel. "Aqui em Jeceaba você pode deixar o vidro do carro aberto que, se chover, alguém vai lá e fecha para você. Lugar melhor para criar filho não há", acrescenta. Salatiel chegou a deixar a terra natal em busca de trabalho, morou na capital, mas há 11 anos prestou concurso público para servidor municipal e voltou para a cidade, onde vive hoje com a esposa e dois filhos.

"Só coisa boa, é claro que não será", diz Fábio Vasconcelos, um dos moradores que viajam todos as noites para fazer faculdade em Conselheiro Lafaiete, um dos municípios próximos. Estuda Ciências Contábeis e sabe que é um privilegiado. A maior parte dos jovens da cidade não tem como pagar sequer o ônibus para estudar numa das cidades vizinhas. "Se não houver ajuda para capacitar esses jovens, eles não vão poder usufruir das oportunidades que a instalação dessa indústria vai criar", salienta Vasconcelos. A pedra fundamental da nova siderúrgica deve ser instalada no início de julho.

Na última semana de maio, executivos da Vallourec estiveram na cidade para uma reunião com representantes dos moradores. Para as 50 pessoas reunidas no salão paroquial, os executivos prometeram fazer o que for preciso para que a população local seja privilegiada na hora das contratações.