Título: CVM pede mais clareza e linguagem simples em documentos de novatas
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2007, Empresas, p. B1

A bolsa virou manchete. De repente, os juros já não são tão altos e a poupança não tem graça alguma. Por que não arriscar uns trocados no mercado de ações? Muito provavelmente, você já se fez essa pergunta ou a ouviu de um conhecido.

Não por acaso o volume financeiro movimentado pelas pessoas físicas na praça paulista nos primeiros cinco meses deste ano já ultrapassou com folga o total de 2004, ano em que houve a retomada do mercado de capitais. São R$ 91 bilhões comparados a R$ 75 bilhões. O número de CPFs habilitados para negociar ações subiu 110% e está hoje em 247 mil, na mesma comparação.

O cenário de efervescência não é novidade apenas para o pequeno investidor que, de repente, vê-se tentado a se aventurar no mercado de capitais. O assunto é novo para todos. O número recorde de companhias na fila para abrir o capital é um desafio até mesmo para o órgão regulador, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A pilha de prospectos à espera de avaliação dos investidores - e da CVM - é cada vez maior. O prospecto é aquele calhamaço em que a companhia é apresentada ao mercado: acionistas, plano de negócios, pontos fortes e fracos, riscos para os investidores, uso que será dado ao dinheiro captado e balanços mais recentes.

Apesar de a revitalização do mercado brasileiro de capitais ser um processo que já dura três anos, a autarquia ainda se diz em fase de aprendizado. "As pessoas acreditam que nós sempre sabemos tudo, mas isso não é verdade. Estamos aprendendo todo tempo com as novas situações", explica o superintendente de registro da CVM, Carlos Alberto Rebello.

Ele lembra que a autarquia passou muitos anos sem avaliar processos de abertura de capital. Rebello explica que a definição do que são informações importantes num prospecto é um processo dinâmico, de contínuo aprendizado. A administração das informações é feita caso a caso, uma vez que não há como pré-definir um modelo excessivamente rígido sobre o conteúdo de apresentação de uma companhia. A relevância das informações varia de acordo com o setor de atuação do negócio, a situação financeira, entre outros.

Diante do explosivo aumento da exposição ao cidadão comum, a autarquia quer agora corrigir as deficiências das informações sobre as companhias que fazem ofertas inicias de ações. Tenta trabalhar contra a falta de transparência e a linguagem difícil dos prospectos. A dificuldade de leitura dessa material foi acentuada pela sofisticação dos modelos de financiamento das companhias que chegam à bolsa, na contramão da proposta de trazer o investidor pessoa física à bolsa.

"Nossa guerra atual é com o prospecto. A linguagem não é acessível, pois é muito jurídica. Esse documento ainda é mais um mecanismo de proteção da companhia e do banco coordenador da emissão do que uma explicação sobre o risco da empresa", conta o gerente de registro da CVM, Felipe Claret da Mota. Vale lembrar que, em julho, a autarquia deve ter nova presidência, uma vez que vence o mandato de Marcelo Trindade.

Desde a estréia de Natura na bolsa , em 2004, já ocorreram cerca de 65 ofertas. Para os próximos meses, uma lista de quase 35 está em análise na autarquia. A expectativa é que 2007 bata todos os recordes - em volume de captação com ações e em quantidade de operações. Esse cenário deve-se a uma combinação de fatores que vão desde o amadurecimento da economia do país até a competição entre grandes bancos de investimento pelo mercado de ofertas.

A equipe da CVM que avalia os prospectos para concessão de oferta de ações é formada de cinco profissionais. A quantidade de pessoas trabalhando nesse processo não sofreu alteração mesmo depois da visível mudança de tendência do mercado, em 2004. Esse time tem que competir com a agilidade dos bancos e escritórios de advocacia, que estão ampliando largamente sua capacidade.

Com mais infra-estrutura e recursos humanos à disposição, fica muito mais fácil para bancos e escritórios de advocacia desenvolver mecanismos e estruturas inovadoras de captação, o que obriga a CVM a entender de novos assuntos todo o tempo. Além de compreender o tema, a autarquia precisa fazer com que ele esteja claro no material de apresentação da empresa.

Parece óbvio que esse conjunto de informações seja consultado antes da aplicação. Porém, a realidade não é bem assim. Além do volume do material, que facilmente ultrapassa 500 páginas, o conteúdo repleto de termos financeiros e jurídicos também afasta a leitura.

O advogado do escritório White & Case, Donald Baker, diz que a linguagem também é uma grande preocupação da Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM dos Estados Unidos). Baker vem atuando no processo de listagem das companhias brasileiras, especialmente, como consultor legal dos bancos coordenadores a respeito das regras norte-americanas. "É um desafio para todos nós." Ele conta que, há alguns anos a SEC já criou regras exigindo que o conteúdo do prospecto esteja o mais próximo possível do inglês utilizado pelos cidadãos comuns.

Rebello conta que um dos focos atuais da autarquia são justamente os complicadores mais recentes dos prospectos: os financiamentos dos bancos coordenadores das ofertas oferecidos às companhias antes da estréia na bolsa e a utilização de bônus de subscrição como forma de remuneração dessas instituições. Essas informações se tornaram o calcanhar-de-aquiles dos documentos. A clareza da estrutura societária das empresas estreantes é mais um ponto crucial.

Os empréstimos que têm preocupado a CVM são mecanismos utilizados pelos bancos para tornar a abertura de capital e os deveres societários mais palatáveis às companhias familiares. Os recursos servem para capitalizar a companhia e apresenta-lá em melhor situação de liquidez para o investidor que, consequentemente, paga mais por suas ações. No bastidor, tal prática é conhecida como "adoçar a pílula" ou "anabolizante". Esses financiamentos são quitados com os recursos obtido na oferta.

O mecanismo é fruto da competição entre os bancos, que querem garantir sua participação nas aberturas de capital. Os bônus de subscrição, por sua vez, representam uma forma deles ganharem não apenas na coordenação da oferta mas também na venda das ações. Tais bônus nada mais são do que o direito de comprar papéis da empresa por um valor pré-determinado. Com eles, os bancos podem ter papéis das companhias que vão levar ao mercado e vendê-los já na oferta. Beneficiam-se, assim, dos altos preços que os investidores atribuem às novatas.

Cada vez que não se sente satisfeita com a profundidade das informações, a autarquia encaminha uma carta à empresa e ao banco coordenador, solicitando explicações e complementos. "Pedimos mais dados e, quando necessário, indicamos que o tema seja tratado como fator de risco do investimento", conta Rebello.

Não são mais aceitas pela CVM, segundo o gerente Claret, definições genéricas ou excessivamente abrangentes na documentação da oferta. No passado, tentaram qualificar os empréstimos incentivadores de ofertas como simples "relações tradicionais de mercado".

A empresa de infra-estrutura logística Triunfo, que aguarda aval da autarquia para fazer sua oferta, já traz um prospecto mais rico em detalhes do que os anteriores no que diz respeito aos pontos sensíveis desse momento. Mas ainda é confuso para justificar uma possível participação do banco coordenador da abertura de capital na oferta inicial como comprador. O prospecto alega proteção para produtos financeiros criados no exterior com as ações da empresa.

Ao tentar explicar o que seriam tais produtos, o prospecto da empresa evidencia a necessidade de avanços na linguagem: "podem ser celebradas, no exterior, operações com derivativos, tendo as ações como ativo de referência, de acordo com as quais se comprometerão a pagar seus clientes a taxa de retorno das ações, contra o recebimento de taxas de juros fixas ou flutuantes".