Título: Provedores de voz sobre IP multiplicam-se no Brasil
Autor: Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2007, Empresas, p. B3

Com R$ 10 mil nas mãos, você pode comprar um Gol duas portas, modelo 1995, a gasolina. Ou então investir o dinheiro na abertura de um provedor de voz sobre protocolo de internet (voz sobre IP), tecnologia que permite fazer ligações telefônicas gratuitas ou muito baratas por meio da web.

Não deixa de ser curioso, já que a indústria tradicional de telecomunicações é intensiva em capital, mas as inovações vistas nos últimos anos tornaram acessível oferecer serviços desse tipo - o que estimula o surgimento de empresas e impõe desafios às velhas operadoras.

Os R$ 10 mil mencionados acima são o valor aproximado que a Virgos - companhia de tecnologia de São Carlos, no interior paulista - pode cobrar para fornecer e instalar equipamentos e softwares, dar treinamento e consultoria na criação de provedores de voz sobre IP. Faz três anos que a empresa começou a atuar na área, mas foi do começo de 2006 para cá que a demanda esquentou. O diretor comercial, Leonardo Silva, diz que a Virgos já deu suporte à formação de cerca de 50 provedores.

Sintoma de uma atividade ainda pouco madura, faltam dados sobre o setor. A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp) estima haver 120 provedores no país. Alguns executivos, contudo, apostam que o número supera 200.

Os modelos de negócio são quase tão múltiplos quanto o número de competidores, que chegam a prometer tarifas 90% inferiores às das operadoras convencionais. Há desde empresas tradicionais de telefonia até provedores de soluções quase caseiras. Algumas possuem suas próprias redes, outras utilizam a infra-estrutura das teles.

"É possível comparar o que está acontecendo na voz sobre IP à bolha de provedores de internet que se viu alguns anos atrás", avalia Ricardo Engelbert, diretor de negócios de internet da GVT, uma das maiores do setor. A operadora tem rede de telecomunicações, é listada em bolsa e atua com licenças de Serviços de Comunicação Multimídia (SCM) e Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), concedidas pela Anatel.

Dona do serviço batizado de Vono, a GVT somava no fim de março 31,9 mil linhas de voz sobre IP, ainda pouco diante do 1 milhão de clientes de telefonia tradicional contabilizados por ela. A empresa compete com provedores tão diversos como a Teletrim, que nos anos 90 se tornou conhecida como operadora de pager, a mineira TremFone e a DiskÀVontade, que não tem rede própria e usa servidores instalados nos EUA para completar as chamadas.

O que leva tantas empresas a se aventurar num mercado dominado por pesos-pesados como Telefónica e Telmex? Não há uma só razão, mas a migração da telefonia tradicional para as soluções IP é uma pista.

A consultoria americana Frost & Sullivan estima que o número de linhas IP no Brasil subirá de 149 mil no ano passado para quase 2,1 milhões em 2011. Não é pouco, uma vez que o número de terminais fixos tradicionais está em declínio. Outro estudo, do Yankee Group, indica que a voz sobre IP representará 11,2% do tráfego de telefonia fixa no Brasil em 2009, ante míseros 2,1% no ano passado. "Ela vai substituir principalmente as chamadas de longa distância", observa o analista Júlio Püschel.

Adicione-se o fato de que abrir um provedor é, além de barato, bastante simples. A Anatel não tem regras específicas para a voz sobre IP, por considerar que se trata de uma tecnologia, e não de um serviço. O órgão regulador faz apenas uma distinção entre serviços de telecomunicações e de valor adicionado. Os primeiros precisam de autorização para funcionar. Os segundos, não. Porém, muitas vezes, os limites de um e de outro são tênues.

Por exemplo: quando uma pessoa usa o Skype, software mais popular de ligações via internet, faz uma chamada para outro computador, o que existe é um serviço de valor adicionado, que para a Anatel não precisa ser regulamentado. Mas se a mesma pessoa usar o Skype para telefonar para um cliente da Oi, entra em cena um serviço de telecomunicações.

A zona cinzenta regulatória dá margem a problemas. Nos EUA, país que inspirou o modelo da Anatel, a Vonage - expoente da voz sobre IP - está à beira da falência por conta de uma ação movida pela Verizon, operadora que a acusa de burlar patentes na conexão das chamadas.

Não foi à toa que, no Brasil, o Skype firmou parceria com a Transit, operadora que tem licenças de SCM e de STFC. Isso regularizou a situação da empresa e lhe permitiu implantar no país o SkypeIn, pelo qual os clientes têm um número telefônico para receber chamadas.

O SkypeIn tem cerca de 60 mil clientes, afirma o vice-presidente de tecnologia da Transit, Alexandre Alves. A associação com a marca que é quase sinônimo de voz sobre IP acabou dando um empurrão nos negócios da operadora brasileira. "A parceria nos ajudou a atrair mais clientes corporativos", diz.

A voz sobre IP pode dar fôlego novo às chamadas a empresas como a Transit, chamadas de "espelhinho", com as quais a Anatel planejava estimular a concorrência às concessionárias de telefonia local - e até agora, pelo menos, não conseguiu.

Esse senso de oportunidade atrai as novatas, enquanto as gigantes da telefonia estão propositalmente adormecidas. As grandes operadoras prestam voz sobre IP a clientes corporativos, onde há concorrência pesada, mas ainda resguardam os segmentos residencial e de pequenas empresas. Mas, quando resolverem competir, quem sobreviverá?

"Quem não tiver foco não vai se manter. Vai haver um enxugamento", avalia o diretor-geral da TellFree, Daniel Duarte Filho. Controlada por fundos de investimentos, a empresa começou a operar em 2005, com rede própria, faturou R$ 3,2 milhões no ano passado e espera alcançar R$ 38 milhões no próximo.

"Existe uma poluição no mercado e criou-se a impressão de que voz sobre IP é algo sem qualidade", observa o presidente da operadora Voitel, Pedro Suchodolski. Para mudar essa percepção, um grupo de operadoras pretende lançar um selo de qualidade que diferencie as empresas que utilizam equipamentos certificados e cumprem regras da Anatel.

Na avaliação do diretor-executivo da Teletrim, José Melo, preço baixo é o maior atrativo da telefonia IP, mas o diferencial para sobreviver no futuro será a prestação de serviços. "Um centavo a mais não vai fazer tanta diferença", avalia.

Roberto Mendes, superintendente da UPDI, empresa de automação comercial, afirma que perambulou entre provedores nacionais e internacionais para reduzir gastos com interurbanos. Há um ano, a companhia tornou-se cliente da GVT. Segundo ele, a economia não é tão grande quanto a prometida por outras empresas - a conta telefônica, hoje de R$ 18 mil mensais, caiu 40%. Mas serviços como o acompanhamento das despesas em tempo real são fortes atrativos, diz ele.

Às vezes, a qualidade deixa a desejar, seja por falhas na conexão de banda larga, seja por quedas na eletricidade. "Não substitui totalmente o telefone tradicional", diz Mendes.