Título: Risco calculado
Autor: Cotias, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2007, EU & Investimentos, p. D1

A complexa engenharia financeira por trás da gestão de riscos de tesourarias, fundos de investimentos e administradores de carteiras em geral começa a ganhar versões para o pequeno investidor. Com a pessoa física mergulhando de cabeça na renda variável pelo home broker - o sistema de negociação de ações da Bovespa pela internet -, faltavam ferramentas que auxiliassem nas escolhas dos papéis e que extrapolassem as fronteiras das análises técnicas ou fundamentalistas. Algumas corretoras têm sido pioneiras em preencher essa lacuna, estimulando a consciência do risco para que o aplicador saiba se este ou aquele ativo está enquadrado ao seu perfil.

A Socopa, por exemplo, acaba de agregar ao seu sistema de negociações o grau de risco da carteira de cada um dos seus 6 mil clientes que operam o home broker ou negociam minicontratos de dólar e Ibovespa na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). A referência é o próprio Ibovespa à vista, com risco igual a 1. A margem acima ou abaixo disso é que vai definir se o portfólio tem um potencial de perda adequado ao que o aplicador está disposto a tolerar.

"O brasileiro não está acostumado a correr riscos, vem de uma cultura de alta rentabilidade, dos tempos da inflação elevada, mas agora com os IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) há muita gente que nunca investiu em ações entrando nessa onda", diz o diretor da Socopa Marcos Monteiro de Barros. "O problema é o depois, principalmente para quem começa a encarar a bolsa como uma alternativa de aplicação de médio e longo prazo."

Ele exemplifica que adquirir, e simplesmente esquecer, as ações da gigante de mineração Vale do Rio Doce como uma opção de investimento conservadora pode não corresponder à realidade, dada a volatilidade do papel em relação ao Ibovespa, com um risco calculado em 1,3. A medição do risco de cada ativo ou da carteira completa é cruzada com a análise do perfil do investidor - um questionário está disponível no site para tal avaliação. Se o grau de risco calculado estiver inadequado ao perfil, a corretora sugere mudanças no portfólio.

Partindo do risco 1 do Ibovespa, a gradação entre 0,8 e 0,9 corresponde ao perfil conservador; entre 1,2 e 1,5 é o moderado e, acima disso, se encaixa naquele tipo de aplicador que realmente tem estômago para enfrentar os vaivéns do mercado. "O risco tem de ser a bússola do investidor", diz Monteiro de Barros.

Na Ágora, a questão do risco é tratada como prioridade há pelo menos três anos, quando a corretora estruturou um departamento de gestão com oito pessoas para acompanhar os riscos incorridos pela própria instituição e pelos clientes. Desde agosto do ano passado, os investidores participam periodicamente de bate-papos on line sobre o tema. "Os nossos especialistas trocam idéias sobre políticas de risco, falam de risco iminente e risco oculto, ensinando o investidor a buscar o risco que lhe cabe em cada mercado", diz o diretor Cláudio Pracownik.

Em fase de teste, no segundo semestre a corretora carioca vai incorporar aos seus sistemas um Value at Risk (Var) - uma das medidas mais usadas de probabilidade de perda em diversos cenários - individualizado por aplicador. A idéia é ajustar o risco genérico do mercado, dado pelo estresse daquele momento, à tolerância de risco de cada aplicador, conta Pracownik.

A base para a construção do perfil do investidor também se dará por meio de um questionário. Se a carteira - que pode incluir não só ações como também opções, cotas de fundos e aplicações em títulos públicos pelo Tesouro Direto - não estiver adequada a tal mapeamento, a corretora sugere alterações, de forma a proporcionar a melhor relação risco retorno para aquele aplicador. "Às vezes, a renda fixa embute mais risco do que a renda variável bem escolhida", acrescenta Pracownik. O monitoramento das probabilidades de perda, continua ele, tem o objetivo de fidelizar o aplicador não só no mercado de ações, como também na própria corretora. "Não quero que o cliente entre, pague a corretagem e vá embora porque não estava ciente dos riscos que estava correndo."

A resolução 3.380 do Banco Central (BC), de junho de 2006, definiu regras e prazos para que bancos e demais instituições financeiras constituídas sob o guarda-chuva da autoridade supervisora adotassem estruturas de gerenciamento de risco operacional. A regulamentação sucede as diretrizes de Basiléia II - o acordo internacional de capital mínimo, que exigirá cobertura para potenciais perdas por fraudes, falhas operacionais e até demandas trabalhistas. Uma das pernas desse circuito é o cliente.

As corretoras têm aproveitado os investimentos realizados na modernização da sua infra-estrutura tecnológica e gerencial em benefício direto do investidor. Há três meses, a Intra Corretora vem monitorando on line as perdas potenciais de todos os seus clientes com ações, contratos futuros, Tesouro Direto, aluguel (empréstimo de ações) e operações a termo. A cada cinco segundos, o investidor tem como saber o tamanho do seu patrimônio se zerasse todas as suas aplicações, explica o gerente de risco, Fábio Murad. Por enquanto, esse sistema é visível apenas para os assessores de investimentos, que atendem o cliente, mas o próximo passo é torná-lo aberto também para a pessoa física.

"O investidor fica mais seguro em saber que tem uma assessoria em cima das operações dele e que qualquer oscilação mais brusca do mercado vai ter uma estrutura por trás", diz Murad. Atualmente, o sistema da Intra já calcula as chamadas de margem (depósito de garantias) da Bovespa para opções e operações a termo (com data de liquidação futura) e o investidor tem como saber com antecedência o que terá de cobrir no dia seguinte. Tal informação também será incorporada ao home broker em breve.