Título: China adota Lei de Falências, uma boa notícia para seu 'capitalismo'
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/06/2007, Internacional, p. A9

Existe uma boa probabilidade de que muitas empresas chinesas declararem falência ou tenham falência decretada ainda neste mês. Na maioria das economias, um comunicado assim seria alarmante. Na China, representa uma espécie de triunfo. Depois de mais de uma década de discussões polêmicas, a China finalmente sancionou uma lei que permite que empresas particulares sem valor morram.

Capitalismo sem falência é como cristianismo sem inferno, observou Frank Borman, que acompanhou a companhia aérea que ele havia dirigido no passado quebrar, merecidamente, nos anos 80. Liquidação de empresas não é uma coisa tão ruim quanto aparenta: ativos que de outra maneira estariam retidos em disputas intermináveis podem ser reciclados e reativados. Elas também podem revelar mentiras: devido ao fato de muitas empresas chinesas estarem funcionalmente mortas, mas juridicamente vivas, suas dívidas permanecem como créditos a receber nos balanços patrimoniais de outras companhias chinesas, gerando um pesadelo contábil.

A eutanásia poderá reivindicar inicialmente os casos verdadeiramente espinhosos, para os quais os riscos de testar uma nova legislação são justificados pela impossibilidade de ordenar os pedidos de outra forma. Essas fatalidades poderão transcorrer sem sobressaltos. Casos posteriores, porém, poderão se tornar litigiosos.

O próprio conceito das falências - descumprir compromissos financeiros - é um assunto sensível na China. Obrigações de endividamento geralmente eram passadas de pai para filho. Uma tentativa legislativa anterior de romper essa cadeia foi promulgada no começo do século passado e logo em seguida rejeitada. No regime comunista, a noção de falência era perturbadora, pois tudo, desde ativos até os benefícios sociais dos trabalhadores, estava nas mãos do Estado.

Em 1986, foi promulgada uma lei para estatais que permitia apenas ao seu supervisor no governo colocá-las em estado falimentar. O primeiro direito a qualquer ativo restante pertencia aos trabalhadores. Não existia provisão explícita para empresas particulares. As inadimplências eram resolvidas à luz de cláusulas conflitantes da legislação de contratos e de regras estabelecidas por agências do governo, diz Helena Huang, uma advogada especializada em direito falimentar da firma Kirkland & Ellis. Era. Em suma, uma confusão.

As deficiências ficaram manifestamente evidentes durante dois vultosos casos de inadimplência no fim da década de 90, uma ligada à Guangdong International Trust & Investment Corporation e a outra à Guangdong Enterprises (Holdings). Os bilhões de dólares que cada uma delas devia a credores internos e externos só poderiam ser solucionados com custosas intervenções do Estado. A redação de uma nova lei, porém, foi sustada pelas possíveis conseqüências para os trabalhadores, que poderiam ficar sem nada.

No futuro, os direitos dos trabalhadores só terão primazia sobre credores não garantidos. Se isso gerar convulsão social dependerá de quantas empresas quebrarão (provavelmente muitas); de quantos postos de trabalho estarão disponíveis; e de o governo intervir com subsídios emergenciais (ele agiu assim no passado).

Os trabalhadores ficarão irritados: mas os estrangeiros também deveriam ficar. A nova lei de falências incidirá sobre as empresas chinesas no exterior - e sobre muitas empresas estrangeiras atuando na China. Algumas dessas empresas mantêm seus ativos comerciais efetivos na China, mas conservaram seus escritórios centrais em Hong Kong e Taiwan ou até usaram intrincadas estruturas em paraísos fiscais, para desfrutarem um regime jurídico mais previsível. No passado, era seguro supor que dificuldades corporativas poderiam ser tratadas fora da China quando investidores estrangeiros estivessem envolvidos. Uma empresa não pode, no entanto, se desvencilhar da lei, diz Mark Fairbairn, advogado na banca White & Case, em Hong Kong. Com a nova lei, a China estabeleceu jurisdição sobre quem, em última instância, controla os ativos da companhia. E isso poderá representar um aumento da influência do Estado.