Título: Política fiscal anticíclica deveria voltar ao debate
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/06/2007, Opinião, p. A10

A arrecadação de impostos cresce 11,5% reais este ano, embalada por um crescimento econômico assentado na estabilidade de preços e no conforto de um vigoroso superávit das contas externas. A dívida líquida do setor público cai como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e o país está às vésperas de atingir a classificação de grau de investimento. O momento é, assim, singular para a economia brasileira nesses últimos trinta anos e ideal para o governo Lula avançar no fortalecimento estrutural do que ainda é um problema para o crescimento sustentado: as contas públicas.

É desejável e oportuno o debate sobre a introdução de mecanismos fiscais anticíclicos, que, apesar da pompa do nome, significam reproduzir, no setor público, o que as famílias normalmente fazem - poupar mais quando há renda disponível para ter um colchão de recursos capaz de atenuar os momentos de maior penúria. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, abraçou essa idéia quando era ministro do Planejamento, em 2003, e chegou a declarar, naquela época, que o governo estava disposto a trabalhar com superávits fiscais anticíclicos a partir de 2005. Foi contestado naquele momento pelo então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que temia ser tal proposta confundida com uma política de relaxamento fiscal justamente quando a inflação estava em alta e a dívida como proporção do PIB, elevadíssima. Palocci havia ouvido essa proposta do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que foi quem primeiro começou a discutir o assunto no governo de FHC, ainda em 2000, quando a economia parecia pronta a decolar. O ex-ministro não era contra o mérito, mas a oportunidade.

Passado o ano de 2003 e retiradas do mercado todas as dúvidas sobre a firmeza da política macroeconômica, o tema voltou a ocupar a agenda do governo em 2005. Em abril daquele ano o então secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa, em entrevista ao Valor, anunciava que o passo seguinte da política fiscal seria ajustar os gastos do governo aos ciclos econômicos. Lisboa tinha uma visão mais refinada de como fazer. O ajuste ocorreria pela adoção de uma banda de variação para o superávit primário. Se, na execução do Orçamento, a meta de superávit ultrapassasse o teto, o governo seria obrigado a trazê-la para o intervalo da banda. Se ficasse abaixo do piso, o governo teria que aumentar o esforço fiscal.

Por uma confluência de crises, Palocci saiu do governo, Mantega assumiu seu lugar e o tema praticamente desapareceu do debate. Voltou agora pelas mãos do Fundo Monetário Internacional (FMI). A despeito do país não ter qualquer acordo formal com o FMI, como sócio da instituição recebe anualmente, nos termos do estatuto do fundo, uma missão técnica que avalia o comportamento das políticas econômicas e produz um relatório com recomendações que podem ou não ser seguidas pelo governo. Voltou, também, como sugestão de vários economistas em palestras e artigos. Há boas razões para retomar a discussão. Primeiro, as precondições estão dadas na medida em que a inflação está sob total controle e não há dúvida sobre a sustentabilidade da dívida pública.

Um mecanismo anticíclico significaria o país ter recursos públicos suficientes - poupados durante os períodos de maior crescimento econômico -, para atravessar os ciclos de recessão com menor custo para os mais pobres. Se os ciclos econômicos são inevitáveis, é com maior ou menor gasto público que esses picos e vales são atenuados.

No relatório do FMI, outras várias vantagens são listadas: um superávit primário maior ajudaria a aliviar a pressão sobre o câmbio, além de fortalecer a sustentabilidade da dívida pública; permitiria ao Banco Central intervir mais no mercado de câmbio e acumular mais reservas, na medida em que o custo fiscal das esterilizações seria mitigado; ampliaria o espaço para a queda dos juros; e ajudaria a criar espaço para elevar os investimentos em infra-estrutura e, gradualmente, reduzir a carga tributária. Há um outro argumento igualmente relevante lembrado pelo economista da PUC, Márcio Garcia, em artigo publicado na sexta-feira no Valor: impedir que as receitas adicionais sejam dilapidadas em novos gastos públicos injustificáveis. Ao governo caberia liderar esse debate.