Título: As diferenças entre Brasil e México
Autor: Thody, Justine
Fonte: Valor Econômico, 11/06/2007, Opinião, p. A11

Uma decisão tomada em meados de maio por duas agências internacionais de classificação de crédito - Fitch e Standard & Poor´s (S&P) -, de melhorar a classificação da dívida soberana brasileira - para um patamar abaixo do "grau de investimento" (recomendação para investir) alimentou especulações sobre possíveis renovadas melhorias na pontuação brasileira nos próximos meses. O Brasil já está posicionado na aproximação do grau de investimento segundo a classificação do Serviço de Risco País da Economist Intelligence Unit (EIU), e a pontuação do país em nosso modelo tem melhorado continuamente nos últimos seis meses. Segundo diversos indicadores, o Brasil está convergindo com o México, país latino-americano que obteve a mais alta graduação na faixa de recomendação para investimentos (e a segunda maior economia na região, depois da brasileira). Neste momento, a qualidade do crédito brasileiro continua inferior ao do mexicano, mas diversos fatores poderão disparar uma melhoria na pontuação brasileira no curto prazo.

Nos últimos cinco anos, uma transformação nas contas externas do Brasil, em boa medida devido ao êxito brasileiro em beneficiar-se do crescimento chinês e da concomitante prosperidade resultante da exportação de commodities, refletiu-se numa guinada: de déficits em conta corrente da ordem de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) na segunda metade da década de 90, para um superávit desde 2003. Essa transformação diminuiu a vulnerabilidade da economia a choques externos, ajudando a estabilizar variáveis macroeconômica e, portanto, melhorando as perspectivas de crescimento.

A melhoria nos indicadores de solvência pública, embora tangível, foi menos acentuada, e a carga da dívida pública continua alta. Mas, paralelamente às taxas de solvência externa, os indicadores de solvência pública melhoraram, subindo mais um nível, em conseqüência de dados revisados do Produto Interno Bruto (PIB) publicados em março. A série revisada, que se baseia em nova metodologia, mostra que em 2006 o PIB brasileiro chegou a US$ 1,1 trilhão, ou seja, 12% maior do que a estimativa anterior, de US$ 947 bilhões. Isso resultou em substanciais reduções na dívida pública, na dívida externa e no déficit fiscal como percentual do PIB.

Essa evolução contribuiu para um crescente processo de convergência entre as pontuações de risco soberano calculadas pela EIU para o Brasil e o México desde o segundo semestre de 2006. Os indicadores de financiamento externo e da cobertura de reservas do Brasil são substancialmente melhores que os do México, tanto porque o Brasil está registrando um superávit em conta corrente (a conta corrente mexicana está, atualmente, deficitária) como porque o crescimento das reservas tem sido muito rápido (ao passo que o crescimento das reservas do México diminuiu substancialmente, refletindo a queda em sua produção petrolífera). Somando US$ 53 bilhões no recente período de 2004-05, as reservas brasileiras cresceram bastante em 2006 - impulsionadas por crescimento acelerado das exportações e crescentes afluxos de capital estrangeiro para um mercado de capitais doméstico em crescimento - e vêm disparando desde o início de 2007. As reservas já estão entre US$ 130 bilhões e US$ 140 bilhões (perto do dobro da dívida pública externa) e deverão registrar crescimento adicional nos próximos meses.

Apesar das melhorias, a classificação de risco soberano do Brasil pelo Serviço de Risco País da EIU continua inferior à do México devido ao pior desempenho brasileiro em termos de tendências fiscais, do tamanho da carga da dívida pública e do nível dos juros. Embora a revisão positiva dos números do PIB tenham reduzido a relação déficit fiscal/PIB, o déficit do setor público brasileiro deverá ficar, na média, em mais de 2,5% do PIB nos próximos dois anos, em comparação com finanças públicas praticamente equilibradas no México.

Paralelamente, apesar de a carga líquida de endividamento público brasileira ter caído (como percentual do PIB) nos últimos anos - graças ao crescimento mais rápido e à revisão das estatísticas do PIB -, ela permanece em torno de 45% do PIB. No México, em comparação, a carga de endividamento do governo federal é de apenas 22% do PIB.

-------------------------------------------------------------------------------- No Brasil, pagamento dos juros da dívida consome na média mais de 20% da receita fiscal, ou mais de três vezes a média daqueles com classificação BBB --------------------------------------------------------------------------------

Além disso, embora os dois países venham praticando ativamente programas bem-sucedidos de redução de passivos durante os últimos anos, o México está bem à frente do Brasil em termos de melhoria na estrutura da dívida pública doméstica, em parte por ter iniciado esse processo mais cedo. A média ponderada dos prazos de maturação da dívida mexicana está, atualmente, em torno de 51 meses, em comparação com apenas 32 meses para o Brasil.

A própria dimensão do ralo fiscal por onde escoa o serviço da dívida ressalta nitidamente a diferença entre o México e o Brasil. Devido à fragilidade da base tributária não-petrolífera mexicana, os pagamentos de juros absorvem uma fração substancial (pouco acima de 11%) da receita fiscal. No Brasil, o pagamento dos juros da dívida consome normalmente mais de 20% da receita fiscal, ou mais de três vezes a mediana entre países com classificação de crédito BBB (um patamar entre os graus de investimento). A fração da receita fiscal absorvida pelos pagamentos dos juros da dívida pelo Brasil é particularmente notável, considerando que a carga tributária brasileira, em mais de 35% do PIB, é uma das mais altas entre mercados emergentes - e próxima de níveis típicos de países mais desenvolvidos.

Um agravante do escoamento de recursos para o serviço da dívida é que os juros são muito mais altos no Brasil do que no México. Embora a taxa Selic tenha sido reduzida em 650 pontos-base desde setembro de 2005, ela ainda está em 12,5%. Isso significa que em termos reais os juros no Brasil ainda estão acima de 9%, ao passo que no México os juros estão abaixo de 3,5%.

Em suma, a carga da dívida pública e as tendências fiscais frearam o Brasil em patamar imediatamente abaixo do grau de investimento, apesar de fortes melhorias em outros indicadores. Nossa previsão central para o Brasil contempla um crescimento de 3,9% para o PIB em 2007 e de 3,7% em 2008, e uma queda da taxa Selic para 11% no fim de 2007 e de 10% no fim de 2008. Nesse cenário, à medida que a queda nos juros aliviarem o ônus do serviço da dívida, o déficit fiscal estreitará (para projetados 2,2% do PIB em 2008), promovendo um declínio na relação endividamento público líquido/PIB para 42%. Isso a deixa, ainda assim, bem acima da mediana das dívidas soberanas com classificação BBB (endividamento bruto de 30,6%).

Mas, a classificação de risco soberano brasileiro já está à beira de grau de investimento em nosso modelo, e um crescimento mais rápido, associado à consolidação de melhorias em outras áreas, poderão ser suficientes para justificar uma ascensão à faixa BBB no futuro próximo. Se a moeda brasileira continuar em sua atual tendência de alta, as expectativas inflacionárias, que caíram continuamente nos últimos 12 meses (para 3,5% no fim de maio) diminuirão ainda mais, possivelmente encorajando o Copom a baixar os juros para um só dígito dentro dos próximos 12 meses. Na ausência de choques externos, isso alavancaria o crescimento dos investimentos (e do PIB) para além dos níveis previstos, possivelmente justificando a atribuição de grau de investimento dentro dos próximos meses.

Justine Thodye é diretora regional de América Latina da consultoria Economist Intelligence Unit (EIU).