Título: Para manter expansão, Índia eleva investimento em infra-estrutura
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 11/06/2007, Especial, p. A12

Decidido a manter o impressionante ritmo na economia que fez a Índia crescer 8,6% em média, nos últimos quatro anos (9,2% entre 2005 e 2007), o governo indiano acaba de recalcular, para cima, as necessidades de investimento para que a precária infra-estrutura do país não seja um freio aos investimentos e ao combate à pobreza. Serão necessários US$ 445 bilhões, nos próximos quatro anos, quase um terço a ser aplicado em energia elétrica, para sustentar a previsão de que a Índia será uma potência mundial até a metade do século.

"Nosso plano para os próximos cinco anos prevê crescimento anual de 9%. Mas podemos não chegar lá se não houver crescimento grande o bastante nos investimentos em infra-estrutura", disse ao Valor o vice-presidente da Comissão de Planejamento indiana, Montek Singh Ahluwalia. Rodovias e ferrovias demandarão um terço dos investimentos, e quase 25% irão para telecomunicações, água e saneamento e irrigação.

Responsável pela formulação e execução do plano plurianual - que na Índia tem importância semelhante à dos planos de desenvolvimento do Brasil nos anos 70 - Ahluwalia informa que definirá em agosto questões como esquemas de financiamento e de concessões e parcerias, para atrair o setor privado, que recebeu com algum ceticismo a previsão de gastos do plano. Segundo a Comissão de Planejamento, se for mantido o atual ritmo, o volume anual de investimentos em infra-estrutura chegaria a US$ 56 bilhões só em 2011, ano em que o novo plano de cinco anos prevê investimentos de US$ 150 bilhões. O governo quer alcançar US$ 56 bilhões já em 2007.

O plano é ambicioso, e empresários locais dizem que comemorarão se for realizado metade do que está previsto - insuficiente, porém, para superar problemas crônicos como as constantes faltas de energia elétrica. Apesar das incertezas sobre o déficit em infra-estrutura, a Índia que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de visitar, acompanhado de uma missão empresarial, é assediada por investidores, atraídos pelo seu impressionante crescimento e pelo potencial do mercado interno, e pouco impressionados com queixas de burocracia ainda excessiva, corrupção na máquina pública e falta de marcos regulatórios.

Os indianos têm sido cuidadosos para evitar os efeitos negativos desse interesse dos investidores. Um deles já preocupa os empresários indianos: desde março, a rúpia, moeda local, subiu 8% em relação ao dólar, apesar de intervenções do banco central do país. A valorização afeta mais duramente setores tradicionais, como têxteis, que perdem mercados para produtores dos países vizinhos, com moedas mais estáveis em relação ao dólar; e ameaça o vibrante setor de serviços, voltado à exportação.

O mau desempenho da agricultura também preocupa os indianos e é apontado como uma das principais causas do aumento da inflação, hoje entre 5% a 6% ao ano. Para combater a alta de preços, o governo, que espera em um mês trazer a taxa de inflação a 5%, foi obrigado apertar a política monetária, elevando exigências de reservas de caixa dos bancos, elevando os juros e liberando importações.

Esse cenário faz lembrar o Brasil, mas só superficialmente. A valorização da rúpia, embora forte nos últimos meses, afeta as margens de lucro das empresas, mas é insuficiente para causar prejuízos. O governo não crê que seja conveniente liberar o mercado de câmbio e, além das intervenções do BC, maneja as cotações com um controle moderado na entrada de capitais. Investidores estrangeiros não podem deter mais de 2% em títulos federais, por exemplo, e setores como financeiro e alimentos têm limites na participação estrangeira.

Os juros, em torno de 8,5% (menos de 3% acima da inflação), são bem menores que no Brasil. E, apesar do alto déficit nas contas públicas, entre 6% a 7% do PIB, o país é considerado "grau de investimento" pelas agências de classificação de risco, que contam com as reservas internacionais indianas, de quase US$ 200 bilhões, e a forte credibilidade do governo como garantia para a enorme dívida pública, de quase 80% do PIB. Gradualmente, o governo abre o país ao investimento estrangeiro, que começou a crescer exponencialmente em 2006, quando mais que duplicou, indo a US$ 12 bilhões.

"Também há um jeitinho indiano de quebrar regras para alcançar os objetivos", analisa o economista Suman Bery, presidente do Conselho Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (NCAER), o mais influente centro de pesquisas indiano. A Índia, comenta ele, consegue manter uma política fiscal mais frouxa graças à forte disposição do mercado interno de financiar o governo (e o fato de que 75% do sistema bancário é estatal e comprador dos títulos federais) e a um controle sobre os fluxos financeiros que entram no país (enquanto a grande abertura no Brasil não se sustentaria se o país não mantivesse metas apertadas de controle das contas públicas, lembra ele).

A política macroeconômica do Brasil e a situação das estatais é bem mais sólida que a da Índia, reconhece Bery, que, por sua longa passagem no governo indiano e como ex-funcionário graduado no Banco Mundial, conhece bem ambos os países. O motivo pelo qual a economia indiana cresce muito mais que o Brasil, "quebrando regras", é "um mistério mesmo para os indianos", diz o economista, que lembra o forte papel da poupança, comum nos países asiáticos, e o peso do mercado interno nesse crescimento.

Bery alerta, porém, que as previsões sobre o futuro garantido da Índia como grande potência são, em boa parte, "extrapolações" baseadas no grande mercado interno do país, com sua população de 1,2 bilhão de habitantes, lentamente puxada para o dinamismo criado, principalmente, pelo setor de serviços. "Estamos experimentando o crescimento da América Latina há cerca de 30 anos", compara. Mas, à diferença dos latino-americanos, os ciclos de crescimento indiano estão mais relacionados à conta corrente, ao desempenho nos mercados internacionais de mercadorias e serviços, que à conta de capital, os fluxos financeiros.

Para Ahluwalia, da Comissão de Planejamento, o controle na entrada de capitais estrangeiros e o gradualismo nas políticas parece ter protegido a Índia das flutuações que levaram a crises no resto da Ásia e na América Latina, nos anos 90. "Não estamos muito satisfeitos com a situação de grandes fluxos de capital puxando a taxa para cima. A principal razão disso é que a permanência desses fluxos não é garantida", diz ele, defendendo o moderado controle do câmbio.

Suman Bery lembra que o país, manteve uma razoável disciplina fiscal; não foi obrigado, como o Brasil, a fixar a taxa de câmbio para ajudar no controle da inflação; e colhe, agora, resultado das reformas econômicas liberalizantes, que começaram a abrir a fechada economia indiana em 1991.

Ahluwalia concorda. E enfatiza que a "diferença crítica" entre Índia e Brasil é a grande resposta do investimento privado às reformas. "Brasil e Índia, hoje, têm noções semelhantes de política econômica; uma das diferenças é a cautela com que promovemos a liberalização", diz o economista, que elogia, porém, o modo como o Brasil evitou um colapso nas contas do país, no final dos anos 90. Por que os dois países crescem em velocidades tão diferentes? "Isso é um enigma."