Título: China cai em contradição
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Fonte: Correio Braziliense, 30/12/2010, Economia, p. 21

O governo do país asiático eleva o salário mínimo em 21,5%, contrariando iniciativas das últimas semanas para conter onda de consumo

As autoridades econômicas chinesas estão submetidas a tamanha pressão que já começaram a tomar medidas contraditórias. Poucos dias após adotar várias iniciativas para reduzir o consumo e combater a inflação, como o aumento da taxa de juros e do compulsório (depósito que os bancos são obrigados a fazer no Banco Central), o governo deu ontem um passo na direção contrária. Pela segunda vez em seis meses, aumentou o salário mínimo, o que vai dar um reforço no poder de compra dos trabalhadores.

O piso salarial em Pequim, capital do país, passará do equivalente a US$ 144 para US$ 175 a partir de 1º de janeiro, num aumento de 21,5% num único movimento. Em julho, o montante já havia subido 20%. O comunicado oficial no site do governo não desce a detalhes sobre a motivação, mas ficou claro para os analistas que a intenção é evitar inquietações sociais diante da escalada dos preços, que se concentra mais fortemente nos alimentos.

No primeiro semestre, houve uma onda de conflitos nas fábricas e de suicídios dos trabalhadores de baixa renda, que tiveram seus ganhos mensais corroídos pela alta da inflação. Os índices de preços ao consumidor chegaram a 5,81% no acumulado no ano até novembro, o maior nível em 28 meses. A inflação já extrapolou a meta de 3% neste ano, o que fez a equipe econômica revisá-la para 4%, objetivo que também será descumprido. Segundo a estimativa das agências oficiais, ele deve bater em 5,88%.

Os preços dos alimentos subiram quase 12% em ritmo anual no mês passado. Os valores dos imóveis também registraram alta significativa. Para conter a inflação, uma série de medidas restritivas ao crédito e ao consumo foram tomadas. No sábado, o Banco Popular da China (BPC, o Banco Central do país) elevou os juros em 0,25 ponto percentual pela segunda vez em menos de três meses. Na semana passada, aumentou o compulsório com o objetivo de limitar o volume de dinheiro em circulação.

Ao todo, já foram seis altas do compulsório nos últimos meses. As medidas, que devem ser complementadas por outras decisões nas próximas semanas, podem reduzir o ritmo de crescimento da economia dos atuais 10% para algo em torno de 7% a 7,5% de 2011 a 2015. Apesar de ter aprovado a elevação do mínimo, que vai estimular o consumo, o presidente da China, Hu Jintao, voltou a afirmar ontem que a estabilidade de preços e a criação de empregos serão os objetivos prioritários da política econômica em 2011.

¿Temos que realizar um grande esforço para salvaguardar a oferta e a demanda, estabilizar os preços das matérias-primas e favorecer a criação de empregos¿, disse Hu a uma plateia de universitários. ¿Devemos, principalmente, criar um mecanismo a longo prazo tendente a impulsionar o consumo interno.¿ O novo programa econômico quinquenal, para o período de 2011 a 2015, foi aprovado em uma reunião de responsáveis do Partido Comunista chinês em outubro.

Incentivos No domingo, o primeiro-ministo Wen Jiabao reiterou que o governo tem os meios para controlar a alta de preços, apesar de reconhecer que a inflação dificultou a vida dos chineses mais pobres. Anteontem, o governo invadiu o terreno tributário, ao cortar os incentivos que existiam para a produção e a venda de carros de até 1.600 cilindradas. Os analistas especulam que, além dos instrumentos monetários e fiscais clássicos, as autoridades podem aumentar a exigência de capital para os empréstimos bancários e o ritmo das operações de venda de títulos públicos para reduzir o dinheiro na economia.

Ontem, o diretor de Estatísticas do BPC, Sheng Songcheng, afirmou que o órgão deveria aumentar o teto dos juros nos investimentos financeiros e reformar o mercado, reduzindo o controle estatal. Para ele, isso favoreceria a poupança, o que diminuiria naturalmente a quantidade de dinheiro em circulação, combatendo a inflação. ¿A China deve permitir a flutuação para cima dos juros de depósito. Isso vai gradualmente permitir que o mercado precifique expectativas de aumento do juro¿, escreveu Sheng em artigo publicado no site do BPC.

Controles A China não aliviará os controles à especulação imobiliária no ano que vem e reforçará a implementação de medidas para conter a alta dos preços de moradias, disse ontem o ministro de Habitação, Jiang Weixin. Autoridades que participaram da reunião de fim de ano para balanço da política econômica admitiram que ¿continua sendo uma tarefa árdua conter altas muito rápidas de preços de imóveis em 2011¿, informou a revista Caijing.

A promessa de manter o aperto tem ligação com as medidas de restrição ao consumo adotadas pelo governo.