Título: Riscos de uma reforma eleitoral apressada
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2007, Opinião, p. A16

O velho e surrado ditado "a pressa é inimiga da perfeição" vale, e muito, para a reforma política. No Legislativo, a pressa, mesmo quando justificada pela necessidade de uma rápida satisfação à sociedade em momentos de desgaste político intenso, envolve tantos interesses políticos e se presta a tantos "contrabandos" que confunde a opinião pública. Nem tudo o que é apresentado como a solução para os males do país é inocente. Aliás, as propostas apresentadas como salvação da pátria na reforma política são muito pouco inocentes.

A votação por listas partidárias foi transformada na panacéia para todos os males. Por essa proposta, os partidos apresentam aos eleitores, nas eleições proporcionais (para deputados federais, deputados estaduais e vereadores), uma lista de candidatos. O eleitor passa a votar não no candidato, mas no partido. A legenda continua a ter direito a uma bancada proporcional aos votos obtidos, mas assumem os parlamentares pela ordem em que se encontram na lista.

A proposta, que será apreciada em urgência urgentíssima pela Câmara na próxima semana, institui como regra geral que a convenção partidária definirá as listas. Mas, como o diabo mora nos detalhes, outro artigo abre uma porta enorme para os atuais parlamentares: "Os atuais detentores de mandato de Deputado Federal, Estadual e Distrital (...) comporão a lista dos respectivos partidos ou federações, na ordem decrescente dos votos obtidos nas eleições de 2002, salvo deliberação em contrário do órgão competente do partido". O ano de 2002 está no projeto porque ele é anterior a 2006, mas basta uma emenda para que se institua que os eleitos no ano passado componham a lista pela ordem de suas votações - e aí teremos praticamente uma prorrogação de mandatos dos atuais deputados federais e estaduais. Nada mal para uma Câmara que iniciou uma legislatura com quase nenhuma credibilidade.

O argumento a favor da votação por lista é a de que ela acabaria com as disputas internas e reduziria muito o custo das campanhas eleitorais. Ela seria, então, uma precondição para a instituição do financiamento público de campanha - que, por sua vez, seria o antídoto capaz de livrar o sistema político da corrupção.

Soluções mágicas são altamente questionáveis. Para que a definição das listas seja produto de um processo interno democrático, é necessário que as agremiações sejam, antes de tudo, democráticas. Atire a primeira pedra o partido que hoje não é comandado por uma oligarquia, nacional e regionalmente. Talvez se possa abrir exceção ao P-SOL, que ainda está nas fraldas. Apoiar o voto por lista é reforçar o papel dessas oligarquias. As listas também inviabilizariam minorias internas e a alternância de poder dentro da máquina partidária.

A outra falácia é que as listas, juntamente com o financiamento público de campanha, podem neutralizar a influência do poder econômico nas eleições, em especial das empresas com interesses no governo. Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo" do último domingo, empreiteiras e construtoras contribuíram financeiramente para as campanhas de 66,6% dos 42 membros da Comissão Mista de Orçamento. O setor contribuiu com 44,4% dos senadores e 46% dos deputados nas eleições. Se, com contribuições isoladas, o setor conseguiu a maioria dos membros da comissão de seu maior interesse, por que não conseguiria a mesma coisa negociando diretamente com as cúpulas partidárias as listas? Teoricamente, a ordem dos nomes seria definida pelos votos dos convencionais, mas quem conhece o poder de manipulação das oligarquias partidárias sabe que existem mecanismos para evitar até que os nomes mais incômodos ao status quo cheguem às convenções.

As crises sucessivas dos últimos dois anos indicam que o financiamento privado de campanha tem furos enormes, e por eles passa toda ordem de corrupção e favorecimento. O financiamento público, no entanto, apenas evita corrupção dos partidos que não querem se corromper. Quando Fernando Collor candidatou-se a presidente, a lei eleitoral proibia financiamento privado. E o caixa 2 eleitoral alimentou as campanhas da mesma forma. A maior inimiga da corrupção é a vigilância - mas, se houver interesse em se tentar de novo o financiamento público, que ele não seja condicionado às listas.