Título: Políticas públicas e violência nas prisões
Autor: Soares, Gláucio Ary Dillon
Fonte: Correio Braziliense, 30/12/2010, Opinião, p. 23

A violência letal é parte integrante do imaginário a respeito de prisões e penitenciárias. Há razão para esse destaque? Há, mas as políticas públicas e institucionais podem alterar essa realidade e a sua imagem. O tipo de violência que predomina (homicídios, suicídios, rebeliões, execuções) varia muito entre países e entre estabelecimentos prisionais.

Tomemos a Europa: os suicídios são responsáveis pela metade das mortes em prisões e penitenciárias em países desenvolvidos. Na Holanda, entre 1987 e 1998, a taxa de suicídios por 100 mil prisioneiros foi de 102, ao passo que, no mesmo período, foi de 13 na população holandesa como um todo. Dentro das prisões, a taxa é oito vezes mais alta. Blaauw, Kerkhof, Winkel e Sheridan, em 2001, já reclamavam da ausência de triagem séria para o risco de suicídio nas prisões holandesas.

Contrariamente ao pensamento expresso pela linha duríssima, cada suicídio nas prisões não é, apenas, um bandido a menos, redução espontânea de custos para a sociedade. Há muitas consequências negativas. Altas taxas de mortes violentas em instituições penais indicam que elas falharam em sua missão mínima, que é manter o preso vivo. Prisões violentas contribuem para aumentar o risco de alcoolismo, o uso de drogas, depressão e outras doenças mentais, ideações suicidas e outros suicídios em todos os que fazem parte da instituição e não somente em outros presos. Agentes penitenciários, médicos, psiquiatras, psicólogos e enfermeiros também são atingidos, sem falar nos colegas presos, nos amigos e nos familiares dos suicidas. A descoberta e a identificação do corpo, dentro e fora da prisão, é experiência traumática como demonstrado no Rio de Janeiro em As vítimas ocultas.

Idealmente, a mudança nas instituições seria o primeiro passo. Porém, alguns países, desconfiando da capacidade de reformar as instituições até onde desejariam, optaram por selecionar os presos de acordo com o risco de suicídio que apresentam. Há uma triagem na Grã-Bretanha, na província de New South Wales na Austrália, que usa instrumentos escritos parecidos, a Form F2169 e o Suicide and self harm risk assessment; na província de Ontário, no Canadá, usam uma lista de indicadores de perigo de suicídio chamada Suicide Checklist e vários estados americanos usam instrumentos de triagem no ato da admissão dos prisioneiros.

Três grupos de indicadores de risco estão presentes em todos os instrumentos e são levados a sério: a existência de tentativas anteriores, incluindo outros comportamentos autodestrutivos; a presença de ideações suicidas e de doenças mentais que aumentam o risco (bipolaridade, depressão) e um conjunto de fatores que, isoladamente, contribuem para aumentar o risco ¿ uma pena longa ou de morte, a morte recente de alguém querido pelo prisioneiro, alcoolismo e uso de drogas, entre outros. Se acreditarmos que não é possível mudar as instituições, devemos, pelo menos, mudar os presos, agrupando-os de acordo com o risco e destinando tratamento diferencial para os com mais alto risco.

Porém, é possível mudar a taxa de suicídios e homicídios nas prisões. Houve um movimento exitoso nos Estados Unidos que o demonstra. As taxas de suicídios nas prisões locais (jails) caíram de 129 por 100 mil presos em 1983 a 47, em 2002. Nas prisões estaduais, maiores e com staff adequado e mais bem treinado, o patamar sempre foi mais baixo, caindo de 34 por 100 mil em 1980 a 16 em 1990, redução a menos da metade em uma década. O suicídio, que era a causa principal de mortalidade nas prisões locais ¿ 56% dos falecimentos ¿ foi suplantado pelas causas naturais em 2002.

Um declínio substancial também pode ser observado nas prisões estaduais: eram 54 homicídios por 100 mil em 1980, década durante a qual muitas medidas foram implementadas: deram certo e a taxa baixou dramaticamente em 1990, para 8 por 100 mil. Em 2002, a taxa foi ainda mais baixa ¿ 4 por 100 mil ¿ gerando o paradoxo irônico de que os homens americanos estavam mais seguros e protegidos contra os homicídios na prisão do que em casa. Christopher J. Mumola, do Bureau of Justice Statistics, deixa claro que políticas institucionais reduzem os níveis de violência.

E no Brasil? É possível mudar? Tumultos, motins e rebeliões são comuns e aparecem com frequência na mídia. Em Pernambuco houve, em dois anos, sete rebeliões, 19 motins e nove tumultos nas unidades prisionais do estado. Em alguns estados, os números são muito mais altos. A segurança dos presos, reitero, tem que ser preocupação constante da direção. Em dois anos, houve 92 homicídios e sete suicídios nas UPs pernambucanas, mas nenhum na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru. Desde 1996 não há rebeliões, tumultos, suicídios nem homicídios.

Por que essa penitenciária é exceção? Porque é uma penitenciária com pouca violência de parte da instituição. As reformas começaram em 1996, sob a égide da Pastoral Carcerária, e as direções mantiveram as principais diretrizes. Precisamos pesquisar em detalhe a relação entre políticas públicas e a violência nas prisões. Há muito o que aprender.