Título: Construtoras investem numa maior profissionalização da gestão
Autor: Giardino, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 06/06/2007, EU & Investimentos, p. D6

O boom do setor imobiliário no Brasil provoca grandes mudanças na estrutura organizacional das construtoras e incorporadoras. Com a profissionalização na administração dos grupos e o movimento de abertura de capital (os IPOs) de boa parte delas, novos cargos são criados e funções operacionais passam a ser exercidas por executivos de mercados mais dinâmicos, onde a disputa é acirrada, como o de bens de consumo.

Diante desse cenário aquecido, o que se vê de um ano para cá é um rouba-rouba de talentos, vaivém de executivos e salários inflacionados. "Nas áreas de relações com investidores (RI) e suprimentos, a indústria de construção paga melhor porque precisa tirar o profissional de outros segmentos", explica Otávio Nogueira, consultor sênior da Michael Page, especializada no recrutamento para média gerência. "Nesses casos, o pacote de remuneração anual chega a ficar entre 25% e 30% acima da média geral", afirma.

Segundo Marcelo Cardoso, presidente da DBM para o Brasil e América Latina, RI, por exemplo, é uma posição que até bem pouco tempo praticamente não existia nas empresas de construção civil. "Em um primeiro momento, a corrida se deu na contratação de profissionais para essa área recém-criada", explica. "Depois vimos crescer o recrutamento de controllers e diretores financeiros".

Na Tecnisa, o atual diretor administrativo, Tomas Banlaky, até julho do ano passado acumulava o cargo de diretor financeiro. Mas o processo que antecedeu o IPO (Initial Public Offering) ou o lançamento de ações da empresa na Bolsa de Valores, em fevereiro de 2007, fez com que a companhia precisasse "arrumar a casa" para atuar nessa nova etapa. Tanto que um dos primeiros passos foi separar a unidade de finanças, tornando-a independente, com alguém preparado no comando.

"Trouxemos uma profissional de fora, do setor de energia, com bagagem em empresa de capital aberto", ressalta. Agregar experiência externa é uma das preocupações da construtora que ainda mantém controle familiar, assim como a maioria das empresas do setor. "Atualmente, o presidente Joseph Nigri também lidera o conselho. Mas com exceção dele, toda a gestão já é profissional", diz Banlaky.

As mudanças não só acontecem no eixo Rio-São Paulo, onde existe a maior concentração de negócios do setor. Nos últimos meses, uma leva de empresas expandiram suas atividades para o Nordeste ou Sul do país, o que resulta não apenas na ampliação de suas operações, mas na necessidade de ter mais gente em seus quadros. A Gafisa, com 30% de presença fora dos principais centros e uma das primeiras construtoras a profissionalizar sua administração, possui 15% dos funcionários trazidos de fora da companhia.

Mesmo focada em uma cultura que prioriza o desenvolvimento de talentos - 60% dos gerentes foram formados internamente -, a Gafisa sentiu a necessidade de oxigenar a equipe com profissionais que tivessem uma visão mais próxima do mercado. Prova disso é que, de acordo com Rodrigo Pádua, gerente de gente da construtora, o diretor de RI veio de um setor diferente. Em paralelo, áreas mais tradicionais em outras indústrias, como marketing e vendas, começaram a ser valorizadas. "Não tínhamos expertise em vendas e com a competição acirrada, precisamos ter uma postura agressiva", afirma.

Pádua reconhece que entre os celeiros de mão-de-obra para a Gafisa em vendas destacam-se as companhias de bens de consumo e varejo, conhecidas por suas estratégias comerciais de produtos. "Elas precisam de uma comunicação forte para se destacar frente ao concorrente e é o que enfrentamos agora", diz. A função de marketing, explica Pádua, segue a mesma linha, onde mudanças no cargo passaram a ser fundamentais. "Os executivos dessa área estão começando a mexer com aspectos ligados à inteligência de mercado".

Consciente disso, a mineira Tenda, construtora brasileira voltada para as classes C e D, tirou de uma operadora de telefonia móvel, a Telemig Celular, a executiva que iria assumir a gerência de marketing. Adriana Boock acumulava experiência de sete anos no mercado de telecom e foi para a empresa com a missão de dar maior agressividade à área de vendas. "Vim de um mercado disputadíssimo e norteado por metas", ressalta. "Caçada" em um processo de seleção da Michael Page, ela diz ter aceitado a proposta pelos enormes desafios que terá pela frente ao mudar de área.

"Assim como aconteceu em telecom na época da privatização, na construção há muito o que se fazer", observa. "É claro que além do salário, vi a oportunidade de voltar para São Paulo e ter uma projeção de carreira interessante". Nem mal começou e já trabalha na construção da marca e na ampliação da divisão, que antes contava com quatro pessoas e agora tem 14. "Também trouxe profissionais de fora, da área financeira e de telecom".

Na Tenda, Adriana não foi a única pinçada de outros segmentos. O diretor de vendas foi "roubado", do setor de varejo. "Preferimos mesclar a equipe com pessoas de dentro e de fora. Como há uma escassez de talentos, treinamos os potenciais internos e procuramos fora quando temos necessidade", explica Suzanna Nogueira, diretora de gente e gestão da Tenda.

Hoje, além dessa demanda, há a procura por executivos responsáveis por desenvolver novos negócios. "Por muitos anos, a falta de investimentos refletiu em demissões. E agora com novos empreendimentos surgindo todos os dias, essas mesmas empresas vêm recontratando talentos que precisaram sair no passado", avalia Cardoso, da DBM. É o caso da Método Engenharia que, em 2004 ao mexer na estrutura organizacional, curiosamente optou por trazer de volta alguns de seus antigos funcionários.

A dificuldade em achar profissionais com perfil que se adequasse à nova estrutura matricial da construtora, dividida em unidades de negócios, não deixou alternativas para a consultora de RH da Método, Edna Cristina Manfrin Simões. "Por que não buscar quem já nos conhecia bem e depois de ter saído acabou adquirindo outras competências? ", avalia.

Antes da reestruturação, a Método sentiu na pele os impactos da falta de investimentos do setor de construção. Há cerca de três anos, teve que fechar novamente o capital e demitir. Supply chain (cadeia de suprimentos) foi uma das áreas mais afetadas na época. Agora, ela conta com um novo formato de gestão. Para dirigir a unidade, totalmente reformulada, a empresa convidou um antigo gerente. Ele passou oito anos fora e retornou à casa três meses atrás. Além do diretor de suprimentos, outro ex-funcionário foi chamado com a missão de comandar a área de novos negócios, recém-criada.

Edna conta que não existem profissionais preparados para exercer a função. "Antes, o processo de compra de materiais era descentralizado, feito nas obras. Hoje, priorizamos a qualidade e a otimização de custos, que implica em boa logística e planejamento", destaca. Outro grande problema é encontrar um gerente de empreendimento, que cuide da parte financeira e do departamento pessoal. Para o cargo de chefe administrativo de obra então, ela é categórica ao afirmar que não há ninguém disponível com esse perfil . "A maioria das pessoas não tem curso superior, nem visão da parte financeira e contábil".