Título: Câmbio reduz preços, aumenta poder de compra e dá impulso extra ao varejo
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, Brasil, p. A2

A valorização do real em relação ao dólar, que de janeiro a maio deste ano já chega a 11%, reduziu os preços de uma série de produtos e aumentou o poder de compra do consumidor brasileiro. De acordo com cálculos de Maurício Moura, economista-chefe da Gouvêa de Souza e M&D, quase um quinto da alta de 9,7% vista nas vendas do varejo nos três primeiros meses deste ano foi conseguido graças à apreciação do real em relação ao dólar. Sem a ajuda do câmbio valorizado, as vendas não teriam subido mais de 8%.

O estudo da consultoria mostra que os efeitos do câmbio apreciado sobre as vendas não é imediato. Seu impacto ocorre, em média, com dois meses de defasagem. Isso significa, na avaliação de Moura, que o bom desempenho do varejo neste começo de 2007 reflete a valorização do último trimestre do ano passado. Portanto, o varejo ainda colherá os frutos da queda mais recente da moeda americana na comparação com o real, com a cotação ficando abaixo de R$ 2 neste ano.

Além do câmbio, os demais condicionantes para o crescimento do varejo também vão bem e deverão se sustentar nos próximos meses. A massa salarial, que é composta pela renda e pelo nível de emprego, já acumula ganho de 7,1% nos 12 meses terminados em março. A concessão de crédito à pessoa física registrou alta de 20,5% no mesmo período.

Devido a esses fatores e do desempenho acima do esperado no primeiro trimestre, Alexandre Andrade, da Tendências Consultoria, revisou sua projeção para as vendas do varejo em 2007 de 5,4% para 7%. Segundo ele, mesmo que, se de abril até o fim do ano as vendas do comércio não mostrarem nenhuma variação na comparação entre o mês em questão e o anterior, o comércio fechará o ano com um faturamento 5,4% superior.

Pelos cálculos de Moura, a renda continua a ser a variável com maior peso para o resultado do varejo, mas perdeu espaço para o dólar. No ano passado, a valorização cambial explicava 11% do aumento de vendas, menos do que os 18% atuais. E esse crescimento levou à queda da participação da renda, que foi de 35% no ano passado para 32% neste ano.

O desemprego também perdeu espaço nessa conta, mas esse fenômeno é mais estrutural, explica o economista. Nos últimos cinco anos, com o aumento da informalidade, o emprego não é mais um indicador com tanto peso, já que boa parte da renda dos consumidores nem sempre vem de um trabalho formal. Do ano passado para cá, a queda na participação foi de 2 pontos percentuais - caiu de 14% para 12%. Há cinco anos, o peso estava em 20%.

Na análise por setores, a ajuda do dólar tem sido mais intensa nas lojas de eletroeletrônicos e informática, onde cada 1% de valorização cambial produz um aumento de 0,35% nas vendas. No entanto, com uma defasagem maior, de cerca de três meses. Há mais intensidade no impacto do câmbio porque esse setor é bastante influenciado pelo aumento das importações.

Com a valorização do real, esses produtos ficaram mais baratos. E também ajudam a derrubar os preços dos nacionais, pelo aumento da concorrência. Já a defasagem é maior porque a logística de importação desses itens é mais complexa. "Até o comprador se animar com o câmbio, fechar o pedido e ele chegar ao Brasil, leva algum tempo", explica Moura, da Gouvêa de Souza.

O mesmo não acontece no ramo têxtil e do vestuário. Nesse setor, a defasagem entre o recuo do dólar e o aumento das vendas é menor, de 45 dias. O impacto do câmbio também é menor e responde por 8% da alta das vendas. Em 2006, essa participação era de 5%.

Outro fator que explica o "boom" do varejo é a recuperação das regiões com forte peso da atividade agrícola - Sul e Centro-Oeste - e a continuidade do crescimento nordestino.

Fernando Montero, economista-chefe da Corretora Convenção calculou que, no primeiro trimestre, o Sul e o Centro-Oeste (sem contar o Distrito Federal) tiveram um peso de 43,3% na aceleração das vendas do comércio - quando comparadas com o mesmo período de 2006.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre janeiro e março deste ano, o comércio dessas duas regiões cresceu 11,3%.

No mesmo período do ano passado, o varejo acumulava queda de 1% nessas regiões. "A magnitude da variação é grande e, comparada com um ano ruim, fica maior ainda e impulsiona o resultado geral", afirma Fernando Montero.

A região Sudeste, amparada pelo aquecimento do mercado de trabalho, também teve alta de 10,5% nas vendas nos três primeiros meses deste ano. No primeiro trimestre do ano passado, o crescimento foi de 3,1%. As variações se referem ao comércio ampliado, que engloba também as lojas de materiais de construção e de veículos e motos.

Ao contrário dos anos de 2004, 2005 e 2006, o aumento das vendas do varejo neste ano está ocorrendo de maneira mais homogênea entre os diversos Estados. A análise é de Sergio Vale, economista da MB Associados. As regiões do Norte do país ainda estão com níveis de crescimento maiores do que as demais, mas essa diferença já não é tão grande.

Segundo a agregação feita por Montero, o Norte e o Nordeste, junto com o Distrito Federal, apresentaram uma alta de 17,2% nas vendas este ano, não tão distante dos 15,2% do ano passado. Esse resultado de 17,2%, quando comparado ao aumento de 10,5% nas vendas do Sudeste e de 11,3% no Sul e Centro-Oeste, apesar de ser maior, mostra que a diferença de desempenho entre regiões é bem menor neste ano. No ano passado, enquanto no Nordeste e Norte as vendas subiram 15,2%, caíram 1% no Sul e Centro-Oeste e aumentaram apenas 3,1% no Sudeste.

A ajuda do reajuste do salário mínimo e da queda do preço dos alimentos também não pode ser desprezada. Em 2007, o piso nacional foi reajustado em 8,6% em termos nominais e passou a valer R$ 380, o que contribuiu para incrementar o consumo das camadas mais pobres. Além disso, há inflação mais baixa, que também potencializa o rendimento dos trabalhadores. Até maio, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 3,18%, abaixo dos 4,23% registrados no mesmo período do ano passado.