Título: Venezuela ainda está distante do Mercosul
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, Brasil, p. A3

A adesão econômica da Venezuela ao Mercosul está cada vez mais atrasada. O país acaba de ganhar mais um ano de prazo para definir apenas o cronograma de sua adaptação às regras do bloco. Enquanto isso, a entrada política da Venezuela, comandada pelo presidente Hugo Chávez, caminha a passos largos. Os Congressos venezuelano, argentino e uruguaio já aprovaram o protocolo de adesão do país. Faltam apenas Brasil e Paraguai.

As entidades empresariais brasileiras estão pressionado o Congresso para postergar seu aval, argumentando que a Venezuela já terá seus "direitos", mas não cumprirá seus "deveres". Os empresários temem a oposição da Venezuela a acordos com parceiros importantes, como a União Européia. Chávez deu uma ajuda ao lobby empresarial ao se indispor com o Senado, chamando os parlamentares de "papagaios" dos Estados Unidos, por criticarem o fim da concessão de um canal de TV na Venezuela.

Ao assinar a adesão da Venezuela ao Mercosul em julho de 2006, os presidentes fixaram um período de oito meses para um grupo de trabalho estabelecer o passo-a-passo do processo. O prazo expirou em março deste ano. No fim de maio, o Conselho do Mercado Comum do Mercosul concedeu mais seis meses, prorrogáveis por igual período, para concluir as "tarefas pendentes". "Terminar tudo em oito meses foi ambicioso demais. Subestimaram a complexidade da tarefa. Mas talvez agora não seja necessário todo esse tempo", diz uma fonte do governo.

Os países do Mercosul tentam chegar a um acordo com a Venezuela sobre quatro temas: a adoção da Tarifa Externa Comum (TEC), a adesão aos acervos normativos, a liberalização comercial entre os sócios, e os acordos externos já assinados pelo bloco. Cada um desses aspectos da integração econômica encontra-se em uma fase diferente, mas nenhum foi concluído.

O tema que está mais atrasado é exatamente a liberalização comercial entre os sócios. O grupo de trabalho praticamente já concluiu os cronogramas de abertura de mercados entre Venezuela e Paraguai e Uruguai, mas avançou pouco no que diz respeito as duas maiores economias do bloco, Brasil e Argentina.

O Brasil já possui um acordo de livre comércio com a Venezuela, assinado quando o país ainda integrava a Comunidade Andina, que garante livre comércio em 2018. Mas, quando o Venezuela se tornou sócia do Mercosul, os presidentes se comprometeram a atingir o livre comércio até janeiro de 2014. O problema dos negociadores é exatamente como cumprir esse prazo.

Outro tema sensível é a adoção da TEC pela Venezuela. Embora as estruturas tarifárias sejam razoavelmente convergentes, o país de Hugo Chávez terá de fazer um esforço de liberalização importante, principalmente em produtos agrícolas e manufaturados intensivos em mão-de-obra. O grupo de trabalho definiu que a Venezuela terá de ajustar 3% da tarifas de importação 60 dias após entrar no Mercosul, 20% em um ano e 77% em três anos. Mas os negociadores não determinaram quais produtos se encaixaram nesses limites. Os venezuelanos prometeram enviar essa lista até setembro ou no momento que o Congresso brasileiro aprovar a adesão.

Para a entrada do país andino no Mercosul, os negociadores tiveram um significativo trabalho extra para determinar quais as resoluções do Mercosul que estão efetivamente em vigor em meio a um turbilhão de promessas. O grupo de trabalho identificou 783 normas e determinou que a Venezuela poderá aderir em três fases, que vão de seis meses a dois anos. Mas para 169 normas não foram estabelecidos prazos de incorporação. Entre elas, estão temas importantes para o comércio como a eliminação da dupla cobrança da TEC, a adequação ao regime automotivo, os assuntos financeiros ou as regras de origem dos produtos.

Sobre os acordos externos já selados pelo Mercosul, os venezuelanos pediram mais 270 dias de avaliação. Esse assunto terá que ser discutido não apenas dentro do bloco, mas com os países com quem o Mercosul já possui acordos, como Peru, Bolívia ou Chile. Os negociadores dizem que não estão muito preocupados com o tema, porque a Venezuela também possui acordos com vários países, bastando apenas compatibilizar os dois acertos.

Se os Congressos brasileiro e paraguaio aprovassem hoje a adesão da Venezuela ao Mercosul, o país de Hugo Chávez entraria no bloco nas condições descritas acima. Para fontes do governo brasileiro, o ideal seria ter concluído todo o processo, mas não se trata de um grande problema. O governo pondera que o Brasil já tem preferências tarifárias em vigor com a Venezuela e que o Mercosul funciona apesar de muitas imperfeições.

Já os empresários brasileiros estão temerosos. Eles admitem que o ganho econômico com a antecipação da abertura do mercado da Venezuela de 2018 para 2014 é pequeno, mas se preocupam com a influência de Chávez nas negociações comerciais futuras com os países ricos. Representantes das entidades empresariais estão fazendo lobby no Congresso brasileiro para postergar a aprovação da entrada da Venezuela. "Se esse protocolo entrar em vigor hoje, haverá um desequilíbrio muito grande entre as obrigações e os deveres da Venezuela no Mercosul. Esse assunto merece uma discussão mais ampla", diz Lúcia Maduro, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI).