Título: Porciúncula assume a dianteira na disputa pela sucessão de Lacerda
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, Política, p. A5

Operação Furacão, 13 de abril. Alvo: desembargadores, juízes e procuradores. Operação Navalha, 17 de maio. Alvo: governadores, ministros, secretários e deputados. Além da repercussão nacional, o que há em comum nos dois eventos é o homem por trás delas: Renato Halfen da Porciúncula, 50 anos, chefe da Diretoria de Inteligência Policial da Polícia Federal (DIP).

Porciúncula consolida-se no topo da PF depois do afastamento na semana passada de Zulmar Pimentel, ex-diretor-executivo da instituição. Chega, assim, ao auge da carreira na gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), muito embora toda a sua ascensão tenha ocorrido em tempos de Fernando Henrique (PSDB) presidente. Ele rejeita qualquer vinculação pessoal ou partidária. "Dizem por aí que sou tucano, mas sou apenas um funcionário de carreira. Exerço cargos de chefia desde 1984."

No comando da equipe que mais recebeu investimentos na PF - passou de 81 funcionários em janeiro de 2003 para 157 em março deste ano - Porciúncula foi responsável por algumas das mais importantes operações, como Anaconda e Furacão, que implicaram personagens da cúpula do Judiciário. Apenas sob seu comando, estão sendo conduzidas investigações de mais 40 operações.

A última das deflagradas, a Operação Navalha, logo foi seguida pela Operação Xeque-Mate, que prendeu um compadre de Lula e fez uma operação de busca e apreensão na casa de seu irmão. Esta última operação foi conduzida pela superintendência no Mato Grosso do Sul e pela Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Fazendários - órgão vinculado ao departamento que foi chefiado por Zulmar seu antigo rival na PF.

Porciúncula diz não acreditar que a disputa interna seja o motor dessa sucessão de operações: "É uma ficção criada fora da polícia, não dentro. Vocês jornalistas ficam falando de saída de chefe quando ele está na cadeira?". Porciúncula também rejeita as críticas à pirotecnia das operações: "Há 10 anos não éramos pauta nobre. Hoje, pautamos."

Foi por designação de Vicente Chelotti, diretor-geral da PF no primeiro mandato de FHC, que Porciúncula ocupou o primeiro grande cargo da carreira: a superintendência regional no Espírito Santo, entre 1996 e 1999. No Estado, começou a traçar o perfil agregador com que angariou apoio dentro da instituição.

A gestão no Espírito Santo e os relacionamentos o credenciaram a um cargo na sede da PF em Brasília, onde chegou em 1999 para ser chefe de gabinete do então diretor-geral, Agílio Monteiro. Deixou o cargo em 2002, mesmo ano em que dois ex-chefes seus - Chelotti e Monteiro - disputaram vaga de deputado federal. O primeiro pelo PMDB e o segundo pelo PSDB.

Porciúncula é gaúcho de Santa Maria, por cuja universidade federal passaram três chefes seus - o ministro da Justiça, Tarso Genro (PT), o ex-ministro da Pasta, Nelson Jobim, além de Chelotti.

Saiu do gabinete de Agílio Monteiro para exercer sua segunda chefia de uma superintendência, desta vez em Santa Catarina. Teve mais dificuldades do que no Espírito Santo mas, ao deixar o cargo em 2004, foi nomeado por Lacerda para a diretoria de inteligência.

Porciúncula chegou ao alto comando de uma PF em transformação. A instituição já estava havia quase dois anos sob o comando de Lacerda e começava a colher os resultados de alterações internas introduzidas no início de sua gestão. A principal delas, a descentralização da cúpula administrativa por meio da retirada de atribuições burocráticas da direção-geral, o que ocasionou uma maior liberdade de atuação às diretorias. Em especial a DIP, a Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DCOR), comandada por Getúlio Bezerra, e a Diretoria-Executiva (Direx), chefiada até a semana passada por Zulmar Pimentel, cujo perfil é o oposto do chefe da inteligência: tem personalidade fechada e dificuldades de se comunicar.

A força que as diretorias ganharam ensejou uma disputa interna entre seus dirigentes, sob várias vias. Uma delas, pela mídia. Com o alcance que as operações passaram a ter, o embate entre as diretorias e suas operações passou a ser medido pelo espaço do noticiário.

A outra via em que a guerra interna se manifesta é o festival de vazamentos tanto das operações em que cada uma trabalhava como de sindicâncias internas para apurar desvios de conduta de policiais ligados a elas, do baixo ao alto escalão. E esse foi o motivo do afastamento de Zulmar. Segundo a relatora da Operação Navalha no Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon, ele é suspeito de vazar informações da Operação Octopus, tocada pelo DIP e destinada a investigar empresários baianos.

Ainda que Zulmar seja considerado carta fora do baralho, o chefe da inteligência da PF precisa transpor outros obstáculos para se credenciar à sucessão de Paulo Lacerda. Um deles, a forte simpatia que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pelo secretário nacional de segurança pública, Luiz Fernando Corrêa, também gaúcho e delegado federal. Fortaleceu-se junto ao Planalto após a vitória política da União no imbróglio gerado pela intervenção ou não da Força Nacional de Segurança do Rio, então governado pelo casal Garotinho. Também teve papel fundamental na definição do plano de segurança dos Jogos Pan Americanos do Rio, quando sua visão prevaleceu sobre a dos militares.

Pesa ainda contra ele o fato de ter acirrado, em um episódio, o relacionamento já difícil entre PF e Ministério Público. Em artigo publicado no site "Consultor Jurídico" no início deste ano, ele inicia seu texto com o seguinte parágrafo: "Reza a lenda que jovens bacharéis, ao ingressarem no Ministério Público, embevecidos com os ilimitados e incontroláveis poderes a eles atribuídos, acreditam serem deuses. Com o passar do tempo, adquirem a certeza". Como era de se esperar, o texto causou revolta entre procuradores e promotores.

O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, rebateu dizendo se tratar de um artigo "vazio de conteúdo, inoportuno e desprezível na forma, e pelas infamantes inverdades contidas". Ao fundo, o fato em si foi apenas mais um retrato de uma antiga disputa entre as duas instituições pela exclusividade na condução de investigações criminais. O problema é que, em se tratando de sucessão, sabe-se que um dos motivos que mais agradam Paulo Lacerda ao Planalto, é sua discrição e tom conciliador.

Sobre o episódio, Porciúncula diz que escreveu o artigo em tom de brincadeira para um informativo de delegados e não autorizou sua divulgação. Afirma ainda que ter bom relacionamento com o MP, sem o qual as recentes operações que conduziu não teriam o mesmo desfecho.