Título: Dinheiro de sonegação e fraudes não tem volta
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, Opinião, p. A12

Um círculo vicioso delimita as fraudes em obras públicas e a sonegação de impostos. O dinheiro das fraudes raramente é recuperado, o que estimula novas e maiores falcatruas, já que a grande dissuasão, ao lado da detenção dos infratores, é punição pecuniária ainda maior da que a envolvida no crime praticado. A sonegação, por seu lado, reduz as receitas do Estado e dificilmente os débitos são saldados. Um dos resultados é que a carga tributária no país, na ausência de economia de gastos e aumento da eficiência do Estado, tem de ser maior do que em uma situação em que as instituições funcionam bem e os cidadãos cumprem suas obrigações. O próprio peso maior dos impostos ajuda, então, a empurrar uma parte da atividade produtiva para a informalidade.

O nó tributário brasileiro é um retrato de como funcionam (ou não) as instituições. Uma reforma poderia desenredá-lo em muitos aspectos e tornar a atual colcha de retalhos um sistema racional, progressivo e simplificado. Mas a questão é mais profunda, como mostram os resultados de um estudo conduzido pela Secretaria Especial de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, publicado na terça-feira pelo Valor. De todos os recursos envolvidos nos processos de execução fiscal movidos pelos governos federal e estaduais, uma parcela desprezível é recuperada. A média não passa de 0,7% da dívida ativa recobrada pelas procuradorias estaduais, de 0,78% pela Fazenda Nacional e de 1,2% pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Os números são eloqüentes. Após perambular por anos na Justiça, milhões de processos acabam dando em praticamente nada - um monumental desperdício de tempo e dinheiro, além de um péssimo exemplo.

A Justiça brasileira está atolada de processos e exibe uma morosidade exasperante, que corresponde, em muitos casos, a uma negação da justiça. Pois nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, segundo o estudo da secretaria, metade dos processos em tramitação no Judiciário são de execuções fiscais. Há 7,5 milhões de ações tramitando em São Paulo e mais 2,9 milhões no Rio. Para o Judiciário são encaminhadas ao mesmo tempo execuções de dívidas minúsculas e a dos grandes sonegadores. Na bagunça geral, ambos escapam e o Fisco fica com poucos tostões. Pessoas jurídicas são objeto de uma minoria de processos, mas que respondem pela maior parte do dinheiro envolvido, e são as principais beneficiárias do congestionamento.

Para onde quer que se olhe, há gigantescos gargalos no caminho de o Estado recolher o que lhe é devido. A falência do sistema está igualmente presente nos casos de roubos e fraudes comprovadas. Como aponta reportagem de "O Globo" (3 de junho), sequer as multas aplicadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por irregularidades em obras públicas são levadas a sério. Dos R$ 3,3 bilhões de punições expedidas pelo TCU entre 2000 e 2007, só 1% foi pago. "Roubar dinheiro público no Brasil tem sido bom negócio", diz Lucas Furtado, representante do Ministério Público no TCU. As multas não são pagas e, além disso, todo o dinheiro desviado, dada a morosidade dos processos judiciais, jamais retorna. É uma ciranda infernal, que beneficia quem aposta na impunidade - uma aposta segura.

As execuções fiscais têm desfecho mais favorável no Rio Grande do Sul, se comparada com o pífio desempenho nos demais Estados. A procuradoria estadual gaúcha tem metas de arrecadação, é descentralizada e fixou um piso de R$ 2 mil para o ajuizamento de ações fiscais. A elas somam-se novas práticas, como a constituição de um grupo especializado na cobrança de grandes devedores e o uso da penhora on line. Esses podem ser bons caminhos a serem seguidos, ao lado, possivelmente, de uma melhoria substancial da lei de execuções.

Os efeitos desse apagão da Justiça e da cobrança do Estado são devastadores. Eles acabam levando os Estados e a União a considerarem o parcelamento dos débitos, acompanhado do abatimento de multas e juros, como saída para a recuperação de débitos - o que claramente não é. Diante da mediocridade da execução, os Refis brilham - R$ 4,6 bilhões dos R$ 7,4 bilhões de recursos recobrados entre 2000 e 2005. O desempenho empalidece diante das centenas de bilhões de reais da dívida ativa. Empresas e cidadãos que respeitam a lei são obrigados a pagar impostos bem mais altos pela ineficiência de uns e esperteza de outros.