Título: Quem quer paz no Oriente Médio?
Autor: Peres, Shimon
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, Opinião, p. A13

Quarenta anos após a Guerra dos Seis Dias, a paz entre israelenses e palestinos parece tão distante como sempre esteve. Israel continua recusando-se a aceitar o novo governo palestino de unidade nacional como parceiro de negociações porque o Hamas faz parte desse governo. Qual é a causa desse aparente paradoxo? Existirá alguma esperança?

O governo palestino é administrativamente uno, mas dividido politicamente. Os palestinos têm um governo com duas políticas. Politicamente, o primeiro-ministro palestino Ismail Haniyeh continua contrário a reconhecer Israel e a respeitar os acordos existentes. Ele declarou ser favorável à continuação da resistência em todas as formas. Então, que tipo de garantia de empenho de boa fé visando chegar a um acordo de paz pode resultar de tal postura?

Essa é a pergunta que a União Européia (UE) precisa fazer a si mesma, ao debater uma eventual retomada da ajuda financeira à Autoridade Palestina. A UE deveria deixar claro ao Hamas que não irá financiar o terror e a recusa a um esforço pela paz. Se os palestinos querem ter ajuda européia - que apóio integralmente - devem estar dispostos a promover a paz, e não a romper a paz. Afinal, o problema não está no Hamas como partido, o problema é a política e as políticas praticadas pelo Hamas. Nada temos contra o Hamas; somos contrários às suas políticas beligerantes, não modificadas mesmo depois de a organização ter passado a integrar do governo.

Houve um tempo em que a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) tinha posições que eram as mesmas que as do Hamas. Depois, a OLP mudou. Se a atual liderança palestina modificar sua posição, não haverá problemas de nossa parte. Nada teremos contra negociações. Somos favoráveis a negociações. Somos favoráveis à "solução [de convívio dos] dois Estados, aceitamos o 'roteiro para a paz' no Oriente Médio." Nos opomos é ao terror.

Não podemos, porém, concordar como um "direito de retorno" dos palestinos. Se tal direito fosse reconhecido, haveria uma maioria palestina, em vez de uma maioria judaica, o que significaria o fim do Estado judeu. Essa é uma questão demográfica, e não religiosa: um Estado árabe é onde os árabes são a maioria, e o Estado judeu é onde os judeus são maioria. De fato, o "direito de retorno" contradiz a própria idéia de uma solução com dois Estados, pois isso implicaria um só Estado - um Estado palestino. Ninguém em Israel aceitará isso.

Mas há outros problemas na região que Israel - e o mundo - precisam enfrentar. O atual governo de unidade palestino resultou de mediação saudita, que surgiu em resposta principalmente à ambição iraniana de ampliar sua influência, não apenas no Iraque, mas também no Líbano, em Gaza e na Cisjordânia.

-------------------------------------------------------------------------------- Essa não é uma questão religiosa, e sim demográfica: um Estado árabe é onde os árabes são a maioria, e o Estado judeu é onde os judeus são maioria --------------------------------------------------------------------------------

Evidentemente, essa questão está inteiramente fora do controle de Israel. O atual confronto no mundo muçulmano entre sunitas e xiitas lembra aquele entre protestantes e católicos na Europa do Século XVII. Por isso, não é de surpreender que os sauditas, jordanianos, egípcios e os países do Golfo Pérsico estejam procurando resistir às ambições hegemônicas iranianas na região.

Mas o que está em jogo é bem mais do que no Século XVII, porque o Irã constitui uma ameaça que associa fanatismo religioso à determinação de obter armas nucleares. Com efeito, o Irã é o único país a declarar abertamente seu desejo de destruir outro membro da ONU. Essa é uma ameaça que cada país é obrigado a levar a sério. Quando o presidente de um país pronuncia discursos ensandecidos, nega o Holocausto e não esconde sua ambição de controlar o Oriente Médio, quem pode garantir que a ameaça não seja séria?

Não se trata de restabelecer o "equilíbrio" nuclear no Oriente Médio, como sustentam os líderes iranianos. Em primeiro lugar, Israel não ameaça ninguém. Israel nunca manifestou desejos de destruir o Irã; Israel nunca proclamou abertamente que enriqueceria urânio e construiria bombas nucleares com o objetivo de destruir outro país. Ao contrário, Israel já disse que não será o primeiro a usar armas nucleares no Oriente Médio. Mas isso não significa que podemos nos dar ao luxo de ignorar uma ameaça evidente de países que querem nos destruir.

Apesar do atual cenário desfavorável, o caminho para a estabilização do Oriente Médio continua passando por projetos econômicos conjuntos. Mesmo atualmente, Israel está planejando construir um novo "corredor de paz", envolvendo os jordanianos, os palestinos e nós. No âmbito desse projeto, estamos buscando conter a desidratação do Mar Morto, construir um aeroporto conjunto e uma rede hídrica em associação com a Jordânia, e desenvolver uma infra-estrutura turística, a um custo de até US$ 5 bilhões. Temos os doadores, de modo que não há escassez de dinheiro para financiar nossos esforços, que, estou seguro, serão concretizados.

Israel deseja - na verdade, necessita desesperadamente - paz e estabilidade no Oriente Médio, e continuaremos a fazer tudo a nosso alcance para alcançá-la. Mas não poderemos alcançar esse objetivo sozinhos, muito menos negociar com aqueles cuja idéia de Oriente Médio estável e pacífico não contempla a presença de Israel. (Tradução de Sérgio Blum)

Shimon Peres é vice-primeiro-ministro de Israel. © Project Syndicate/Europe´s World, 2007. www.project-syndicate.org