Título: Com os krenaks, de Minas, Vale quer fazer "PPP" dos índios
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Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, Especial, p. A14

O consórcio formado pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e pela estatal mineira de energia Cemig deve informar na próxima semana ao Ministério Público Federal se aceita continuar pagando aos índios krenak, de Minas Gerais, um valor mensal de R$ 450 por família, mais uma cesta básica. O pagamento estava sendo feito há seis meses, como parte de um acordo provisório com a comunidade krenak que venceu em maio.

Os krenaks habitam uma área indígena à margem do rio Doce, próximo à cidade de Resplendor, e reivindicam uma compensação pelos impactos da usina hidrelétrica Eliezer Baptista. Inaugurada em maio do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a usina tem capacidade de geração de 330 MW, e está localizada na divisa entre Minas e o Espírito Santo.

"A usina tem grandes conseqüências sobre a vida dos índios, mas o estudo de impacto ambiental não contemplava isso", diz Waldemar Adilson Krenak administrador regional da Funai em Governador Valadares e também membro da comunidade krenak. A usina fica a 40 quilômetros da aldeia, que tem cerca de 230 índios.

Em março de 2005, o Ministério Público entrou com ação civil pública contra a Vale e a Cemig. Em dezembro daquele ano, os índios chegaram a bloquear a Estrada de Ferro Vitória-Minas para pressionar a mineradora, que tem 51% do consórcio. Na época, a Vale chegou a anunciar que os índios pediam R$ 30 milhões. "Não há um valor estipulado. É difícil botar preço em água", afirma Waldemar.

Os índios e a população ribeirinha da região reclamam que houve redução dos peixes depois da instalação da usina e que há um aumento do número de mosquitos, que podem provocar malária e dengue. Há ainda uma questão cultural. As sobras de uma cerimônia tradicional dos krenaks costumam ser jogadas no rio Doce, para que sigam seu curso até o mar. O reservatório prejudica o ritual, segundo os índios.

O processo judicial contra o consórcio Vale/Cemig foi suspenso em outubro do ano passado, para que a Funai e a comunidade indígena fizesse uma avaliação de uma proposta de acordo oferecida pelas empresas. "A idéia é colocar um fim a essa demanda. O pagamento mensal às famílias, por seis meses, foi estabelecido até que essa proposta pudesse ser analisada", afirma o procurador do Ministério Público Federal em Governador Valadares, Flávio Behring Leite Praça.

A Vale do Rio Doce quer tornar o acordo com os krenaks exemplar. Internamente, chega-se a brincar que o convênio será "a primeira PPP indígena", em uma referência às Parcerias Público-Privadas. A idéia é que o governo mineiro integre o acordo dando suporte à saúde, educação e infra-estrutura (como a manutenção de estradas); a Funai, com os antropólogos e a supervisão do convênio e a Vale, com o apoio financeiro para projetos de auto-sustentação.

Na proposta apresentada, há projetos de agricultura, pecuária e artesanato. "Eles têm um nome forte no artesanato, uma marca importante", diz Walter Cover, diretor de projetos institucionais estratégicos da Vale. Segundo ele, pode ainda surgir algum projeto ligado a cosméticos, porque os krenaks têm acesso a uma fonte de água mineral. "Esperamos que isso esteja pronto em agosto."

A água a que se refere Cover, na verdade, não está na aldeia Krenak. Fica do outro lado do rio Doce, entre a aldeia e o Parque Estadual Sete Salões, e já é explorada comercialmente pelo fazendeiro Valdir Cher, que detém o direito de lavra. Detalhe: as garrafinhas podem ser encontrada nos restaurantes nos arredores dos municípios de Resplendor e Aimorés com o nome Água Mineral Krenak.

Os índios não recebem nada pelo uso de seu nome, mas têm se beneficiado da exploração da fonte. Há cerca de dois anos, a reserva, de 4 mil hectares, recebeu um sistema de captação, tratamento e armazenamento. A água vem da fonte mineral e a empresa que a explora autorizou que 14 quilômetros de rede fossem instalados em suas terras para abastecer os krenak.

Os índios da aldeia vivem hoje em casas de alvenaria e, segundo Waldemar, não têm outra fonte de receita além dos recursos do consórcio Cemig/Vale. "Os índios pescam e tem roças, mas pedem que os recursos mensais às famílias, de R$ 450, sejam aumentados para três salários mínimos (R$ 1,14 mil). É uma forma de eles terem suporte até encontrar outra forma de se sustentar", explica Waldemar.

Outra reivindicação dos índios é a demarcação de uma área de 1,8 mil hectares no Parque Estadual dos Sete Salões, à margem direita do rio Doce. No lugar há sete cavernas consideradas sagradas pelos indígenas e pinturas rupestres feitas por antepassados. Segundo a lenda, o túmulo do líder Krenak estaria no local e, como sua alma não foi alimentada após a invasão dos brancos, ela teria se transformado em onça e passado a viver no sétimo salão de uma caverna.

A proposta de acordo feita pela Vale segue nova estratégia da empresa. No ano passado, após várias invasões, a mineradora decidiu canalizar os recursos para projetos de auto-sustentação, ao mesmo tempo em que tenta deixar as funções de assistência à saúde e à educação e a infra-estrutura sob a responsabilidade do Estado.

A companhia fechou em fevereiro acordo com os índios do Maranhão (1.090 guajajaras, 300 guajás e 320 urubu ka'apor) em que 100% dos recursos serão destinados a atividades como pecuária, fruticultura, apicultura e criação de aves. Será um total de R$ 7,6 milhões por dez anos. Os gaviões, no Pará, que receberam R$ 9,5 milhões em 2006 (são 555 índios), já começaram a renegociar o acordo que vence em julho e a idéia é incluir atividades como a produção de mudas. "O valor repassado a eles foi alto porque previa a construção de casas. As últimas foram entregues e eles se comprometeram a não pedir casas nos próximos dez anos", diz Cover.(RB)