Título: BC conta com as cooperativas para estimular a competição
Autor: Carvalho, Maria Christina
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, Finanças, p. C1

De dentadura a velório, de batizado a adiantamento da safra de cana. Tudo isso já foi financiado pela Sicoob Crediçúcar, cooperativa de livre admissão criada em 2004, em Santa Cruz das Palmeiras, cidade de 35 mil habitantes a 235 quilômetros de São Paulo, que atualmente cobre também as cidades vizinhas de Vargem Grande do Sul e Casa Branca, região de atividade sucroalcooleira, nas proximidades de Pirassununga.

A Sicoob Crediçúcar foi a primeira cooperativa de livre admissão criada depois que o Banco Central (BC) editou uma série de regras, no início da década, para revitalizar o setor. Com essas características, só existiam as Luzzattis, cooperativas que reuniam pessoas sem vínculo, a não ser viverem em um mesmo bairro, cidade ou região, muito populares no Brasil entre as décadas de 40 e 60, da qual só sobreviveram 10. Como parte desse novo pacote de estímulos, o BC autorizou as cooperativas de empresários e modernizou as regras de criação e funcionamento.

O BC conta com as cooperativas de crédito como mais uma arma do seu arsenal para acirrar a concorrência no mercado financeiro e reduzir os juros, disse o diretor de Normas, Alexandre Tombini, em recente seminário. As cooperativas são também ferramentas para a bancarização e disseminação do crédito, acrescenta o responsável pelo Departamento de Organização do Sistema Financeiro (Deorf) do Banco Central, Luiz Edson Feltrim.

A Sicoob Crediçúcar parece cumprir bem essa tarefa. Nos seus quase três anos de vida, a cooperativa já atraiu 1,9 mil associados, amealhando R$ 15 milhões em depósitos e uma carteira de crédito de R$ 10 milhões. Mensalmente, 100 novas contas são abertas. "A cooperativa nasceu para agregar pessoas excluídas do mercado financeiro, fornecendo-lhes serviço bancário a baixo preço", disse o gerente Umberto José Marcomini.

Ligada à Sicoob Central Cecresp e, portanto, ao banco do sistema, o Bancoob Banco Cooperativo do Brasil S.A., a cooperativa oferece aos associados toda sorte de serviços financeiros. Ela possui dois postos de atendimento cooperativo (PACs), que funcionam como agências, onde os associados podem fazer transferências eletrônicas de fundos (TEDs) e pagar contas. Os associados têm talão de cheques e cartão de crédito. O Bancoob opera com as bandeiras Visa, MasterCard ou Cabal, da Argentina. Em breve pretende entrar no crédito rural.

As linhas de crédito pessoal e capital de giro têm taxa inferior a 2,5% ao mês. Nos bancos, a taxa média do crédito pessoal é de 3,6% e a do capital de giro fica ao redor de 2,3%. As operações de crédito variam de R$ 200 a R$ 1 mil.

Como isso é possível? "Se você nos visitar não vai ver paredes de granito", disse o gerente. Os juros das cooperativas são baixos também porque não visam lucro, não recolhem compulsório e IOF, por exemplo, nem cobram taxa de abertura de crédito (TAC).

Os associados não pagam tarifa, a não ser por cheque devolvido, "para educar o cliente", segundo Marcomini. Por isso, acrescentou, apenas 1% dos cheques compensados é devolvido, para 8% nos bancos.

Para entrar na Sicoob Crediçúcar, o associado tem que contribuir para a formação do seu capital com R$ 150,00, no mínimo, divididos em dez parcelas. É menos que a tarifa de muito banco, afirmou Marcomini. O dinheiro para o capital é do associado, que recebe por ele uma remuneração ao redor de 12% brutos ao ano ou 10,5% líquidos. Além disso, o associado participa da divisão das sobras, ou seja, do resultado que a cooperativa apura ao final de cada ano. No caso da Sicoob Crediçúcar, a sobra foi de R$ 755 mil no ano passado. Desse total, 75% foram divididos entre os associados. Do restante, 20% foram compor as reservas, houve contribuição a projetos sociais e ainda distribuição de prêmios aos associados.

A Sicoob Crediçúcar é uma das 197 cooperativas singulares filiadas ao sistema Sicoob Central Cecresp, uma cooperativa de segundo grau. Elas participam do sistema Sicoob Brasil, criado há 17 anos em Brasília. Há 14 centrais ligadas ao Sicoob Brasil, que constituíram o Bancoob para realizar operações que as cooperativas não podem fazer, como compensar cheques. O sistema Sicoob é o maior do país: tem 1 milhão de associados, dos quais 250 mil em São Paulo.

As cooperativas prestam serviços ao banco e funcionam como agências, mas têm independência para, por exemplo, fixar o preço dos serviços financeiros prestados. Em média, cobram 2% ao mês no crédito pessoal - além de a taxa ser baixa, inferior até mesmo à do consignado para aposentados, ela incide sobre o saldo devedor o que reduz mais o custo do dinheiro. Até o cheque especial é mais barato na cooperativa, por volta de 5% ao mês, informou o presidente do Sicoob Central Cecresp, Manoel Messias da Silva, em comparação com 7,6% na média, nos bancos.

As aplicações de capital - participação dos associados no capital das cooperativas - são remuneradas a 1% ao mês; e os depósitos a 100% do CDI, o que significa 1,2% a 1,3% ao mês. As cooperativas contribuem para seu próprio fundo garantidor (0,035% dos depósitos à vista e a prazo da cooperativa), que garante depósitos de R$ 20 mil a R$ 30 mil por CPF, enquanto os bancos garantem até R$ 60 mil.

Por que as cooperativas não crescem mais? Para Marcomini, faltam divulgação e educação. As cooperativas ainda são afetadas pela imagem ruim do passado quando várias quebraram. Agora é diferente, acrescentou: o BC as fiscaliza de perto e criou uma legislação avançada para o setor.

O presidente do Sicoob Central Cecresp afirma que o crescimento das cooperativas é necessariamente lento. "Elas precisam de dirigentes com credibilidade e liderança incontestável para se desenvolverem", disse Messias. Uma cooperativa leva de um ano e meio a dois para passar do ponto de equilíbrio e gerar bons resultados. Prazo semelhante leva o processo de aprovação da criação de uma cooperativa, que começa com o registro do projeto de viabilidade econômica e do plano de negócios no Banco Central, que autoriza a assembléia de constituição e eleição dos responsáveis. O projeto volta então ao BC para aprovação, que pode demorar até 2 anos.

Antes o processo era sumaríssimo e podia levar apenas 90 dias. Mas, depois que as regras das cooperativas foram modernizadas, o BC passou a fazer exigências semelhantes às pedidas a um banco, lembrou Messias.

Feltrim, do Banco Central, espera, porém, uma "arrancada" das cooperativas até o final da década "porque existe o ambiente regulatório para crescer em números mais expressivos".

As cooperativas já representam 2% do crédito do sistema financeiro. Para o chefe do Deorf, "o percentual pode passar dos 5% e atingir os dois dígitos". Em países como a Alemanha, onde o modelo é desenvolvido, as cooperativas representam 20% do crédito.

Ao final de 2006, as 1.450 cooperativas existentes somavam R$ 30 bilhões em ativos, R$ 12 bilhões em crédito, R$ 22 bilhões em depósitos e cerca de R$ 8 bilhões em patrimônio.

Com esse músculos, representavam 1,2% do patrimônio do setor financeiro; 1,4% dos ativos; 1,6% dos depósitos; e 2% do crédito. Há dez anos, representavam 0,7% do crédito. Apesar de a participação ainda ser pequena, as cooperativas crescem mais do que o sistema financeiro, disse Feltrim. Esses dados antecipados pelo Valor serão apresentados no VI Seminário sobre Microfinanças, que será realizado pelo Banco Central (BC) em Porto Alegre, nos dias 14 e 15.

Em regiões onde as cooperativas se desenvolveram mais, a participação no crédito é maior. Na região Sul, por exemplo, onde 74% dos municípios são atendidos por cooperativas, elas participam de 4,8% do crédito. No Centro-Oeste, o índice é de 4,2%; no Sudeste, onde há mais bancos, 1,2%.

Segundo Tombini, já houve, no último semestre, grande movimento no setor. Fortalecidas pelas mudanças na legislação, especialmente pelo ressurgimento das cooperativas de livre admissão, elas dobraram o número de associados em quatro anos, de 1,6 milhão para 2,9 milhões.

O número de cooperativas têm permanecido estável nesta década, ao redor de 1,4 mil, e atingiu 1.450 em 2006. Mas, esta estagnação é apenas aparente. Nos últimos sete anos, surgiram 435 cooperativas novas, mas 203 fecharam ou se fundiram. Para Feltrim, as fusões fazem parte da esperada consolidação do sistema. Assim como acontece entre os bancos, disse, é preciso ter escala para enfrentar a concorrência. A própria regulamentação, ao exigir capital e provisões, por exemplo, induz a processos de fusões. A queda dos juros e do spread também. Cerca de 70% das cooperativas ainda têm patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão. "Quem tem pouca escala e baixa rentabilidade tende a desaparecer", disse o chefe do Deorf.

"É melhor fazer junções por amor e não esperar que venha a dor", afirmou. Na Alemanha, acrescentou, havia 2,2 mil cooperativas; agora, existem 1,3 mil. Os EUA chegaram a ter 44 mil cooperativas; atualmente, são 8 mil com 88 milhões de associados.

Isso não significa porém uma estagnação porque o número de associados tende a crescer com o aumento da escala. "O número de cooperativas tende a diminuir mas não o número de cooperados nem o volume de ativos", disse Silva.

Apenas 2% da população economicamente ativa está vinculada a uma cooperativa. Na América Latina como um todo o índice é de 3,57%; na América do Norte, 41,33%; na Europa, 2,86%; e na Ásia, 1,84%. Os dados são do Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito (Woccu).

Apesar de o número de cooperativas estar estabilizado, o de PACs é francamente ascendente, passando de 1.344 em 2001 para 2.135 em 2005 e 2.195 em 2006.