Título: A bolha da arte
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2007, EU & Investimentos, p. D1

Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três, vendido. A Sotheby's estabeleceu em maio um recorde para um leilão de arte contemporânea ao levantar US$ 254,9 milhões (R$ 497 milhões) em uma única noite, incluindo os maiores valores já pagos por 15 artistas individuais. Mas, em 24 horas, esse número foi superado pela Christie's, a casa de leilões rival, com arrecadação de US$ 384,7 milhões (R$ 750 milhões), incluindo preços recordes para obras de 26 artistas.

"Há um clima de especulação que eu nunca vi nos 50 anos que trabalho nesse mercado", diz Richard Feigen, um veterano negociador de arte de Manhattan. Um trabalho de Andy Warhol, "Green Car Crash (Green Burning Car I)", foi vendida por US$ 71,7 milhões (R$ 139,8 milhões), quatro vezes mais o preço recorde anterior para uma obra do artista, que havia sido estabelecido em novembro.

Uma maneira de justificar os altos preços registrados no mercado de arte é a onda global de liquidez que está elevando os preços dos ativos em todas as partes do mundo. "Das antigüidades indianas à arte moderna chinesa; das terras no Panamá até Mayfair; das florestas, infraestrutura e dos bônus mais arriscados às ações blue chips; é o momento da bolha", diz Jeremy Grantham da GMO, administradora de fundos.

Uma variante do mesmo argumento é que os altos preços das obras de arte refletem o número crescente de pessoas ricas em todas as partes do mundo. Milionários russos e chineses, junto com administradores de fundos hedge e private equity, já compraram as mansões e iates que gostariam e agora querem exibir sua riqueza nas paredes de suas casas.

Entusiastas afirmam que o mercado está numa posição melhor do que no fim dos anos 1980, quando os japoneses pagavam preços astronômicos por pinturas pós-impressionistas. O colapso dos mercados imobiliário e de ações de Tóquio estourou a bolha. Desta vez, há uma variedade maior de compradores.

Mas se Grantham estiver certo, e as mesmas forças estiverem conduzindo a alta de todos os mercados, então um "crash" nos preços das ações poderia levar junto o mercado de arte. Não haveria, nesse caso, muitas pessoas ricas por aí.

É praticamente impossível dar um "valor justo" à arte. Uma ação precisa ser negociada a um preço igual ao valor descontado dos fluxos de caixa futuros recebidos pelo investidor. Mas a arte possui fluxos de caixa negativos; ela custa dinheiro para ser segurada e armazenada.

Ao invés disso, a arte é o que os economistas chamam de "bem posicional": vale alguma coisa porque é limitada na oferta e muitas pessoas querem ter. Mas, para dificultar ainda mais os investimentos, as pessoas sempre querem comprar tipos diferentes de arte em épocas diferentes. Segundo Philip Hoffman, da Fine Art Fund, uma firma de investimentos, os móveis ingleses eram muito procurados poucos anos atrás; agora, poucas pessoas têm interesse neles. As pinturas do século XIX estão completamente fora de moda.

O quente no momento é a arte contemporânea, em particular as obras criadas entre fim dos anos 1940 e começo dos 1970. Uma pintura do russo naturalizado americano Mark Rothko, expressionista abstrato, foi vendida por quase US$ 73 milhões (R$ 142 milhões), em meio a rumores de que a Sotheby's havia garantido ao seu vendedor, David Rockefeller, que conseguiria mais de US$ 40 milhões (R$ 78 milhões). A arte contemporânea é mais atraente para uma nova multidão de compradores porque "ela combina com a decoração de um loft no Chelsea", sugere Feigen cinicamente.

Portanto, o investidor em obras de arte precisa decidir não só se haverá colecionadores por perto, dispostos a pagar muito caro num período de cinco anos (a teoria do "tolo mais rico"), mas também se o período escolhido continuará despertando interesse.

Outra abordagem aos investimentos no mercado de arte é vê-lo como uma anomalia em potencial que pode oferecer altos retornos por causa de sua estrutura. Quando um artista vende sua obra, ele tem quatro potenciais compradores: um cliente rico (mas só se ele tiver muita sorte); um comerciante, que poderá encontrar um comprador particular; uma galeria; e as casas de leilões. Em outras palavras, muitos intermediários estão envolvidos, e eles acabam ficando com uma boa parte dos lucros. Mas eles poderiam ser evitados.

Um novo fundo hedge, o Art Trading Fund, está tentando explorar as ineficiências desse sistema. Ele montou um plantel de artistas vivos, cujas obras vai vender para uma rede de compradores. Como cada artista produz um fluxo contínuo de trabalho, eles podem ser vistos como ativos geradores de renda, com uma base de ganhos comprovada de aproximadamente 2,5 milhões de libras (R$ 10 milhões) por ano. Além disso, Justin Williams, seu fundador, diz que o fundo também vai comprar obras de arte de vendedores que sofrem com os três Ds - death, divorce and debt (em inglês, morte, divórcio e dívidas). Também poderá ser possível fazer uma proteção (hedge) do fundo com o uso de derivativos de ações das companhias ligadas aos altos preços do mercado de arte, como as provedores de bens de luxo e a própria Sotheby's.

Esse modelo mostra que os altos preços estão tentando aqueles que assumem maiores riscos no mercado de arte, seja atuando como cabeças ou como corretores. Isso os deixará mais expostos a uma queda brusca. Mas os fundadores do Art Trading Fund avaliam que os preços no mercado de arte estão bem abaixo do pico registrado no fim da década de 1980, quando ajustados à inflação. Talvez os leiloeiros estejam falando de leilões com arrecadação de US$ 1 bilhão antes do fim da década.