Título: Medidas embutem antidumping para têxteis
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, Brasil, p. A3

No conjunto de medidas de apoio aos exportadores divulgadas ontem, o governo alterou a forma de tributar as importações de vestuário e adotou informalmente uma lista de referência de preços para os produtos desse setor. Os empresários aplaudiram a medida, classificando como um verdadeiro antidumping contra a China. Já os especialistas em comércio exterior advertem que pode contrariar as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). O governo rechaça que esteja infringindo as leis do comércio mundial.

A tributação para o setor de vestuário deixará de incidir sobre o preço de importação e passará a considerar o peso do produto que chega ao país. Os impostos serão cobrados por quilo de cada item de vestuário através de um valor fixo, definido com base nos preços de referência pesquisados pela Receita, segundo comunicado do Ministério da Fazenda, distribuído ontem na entrevista coletiva na qual os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Desenvolvimento, Miguel Jorge, anunciaram as medidas para elevar a competitividade dos setores afetados pela valorização do câmbio.

"Essa é a medida que mais entusiasma. Gostaria de ver adotada para todos os produtos que sofrem com a concorrência chinesa", disse Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "A tributação incide sobre a quantidade importada. É quase um antidumping", completa José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), para quem a medida "contorna uma saia justa com os chineses".

Ao cobrar a tarifa com base em um preço de referência, o governo deixa de considerar para fins tributários o preço pelo qual o importador declara ter trazido o produto ao país. Segundo a Fazenda, a Receita vinha constatando que o preço declarado em importações de vestuário estava abaixo das importações de matéria-prima, caracterizando indícios de subfaturamento. Vender abaixo do preço de custo também é o conceito do dumping, sobre o qual os países aplicam uma tarifa para anular o efeito desleal no comércio.

Mais de 65% das importações de vestuário do Brasil vêm da China. Nas gavetas do Ministério do Desenvolvimento, estão empilhadas investigações antidumping de vários setores contra o país asiático. Algumas saíram do papel, outras não. As relações preferenciais entre Brasil e China e a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reconhecer o gigante asiático como economia de mercado tornam mais difícil politicamente a aplicação desse tipo de medida de defesa comercial.

Em abril, o governo elevou a tarifa de importação de vestuário de 20% para 35%, medida que ainda depende de aprovação do Mercosul, bem como a nova forma de tributação anunciada ontem. O Brasil também firmou um acordo de restrição de importações de alguns produtos têxteis. Os empresários, contudo, consideram que cobrar por peso é a forma mais eficaz de proteger o mercado. "Essa é a medida de mais efetividade, porque traz dividendos imediatos", diz Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Ele esclarece que os preços de referência utilizados pela Receita foram pesquisados em fontes internacionais idôneas. "A Receita sabe o que faz. Todos os países fazem algo para combater o desequilíbrio", diz.

As importações de produtos confeccionados estão subindo acima da média nacional. Em 2006, o Brasil importou US$ 346,8 milhões em vestuário, alta de 52,7% em relação ao ano anterior. De janeiro a abril deste ano, as importações de vestuário somaram US$ 124,6 milhões, aumento de 32,5% em relação a igual período de 2006, segundo a Abit. "Não podemos ser a liquidação chinesa", diz Pimentel, afirmando que a China manda ao Brasil a preços baixos o que não vende nos EUA e na Europa.

Na reunião com o presidente Lula, na noite de segunda-feira, ao explicar essa medidas, Miguel Jorge citou como exemplo do subfaturamento um contêiner fiscalizado recentemente, onde ternos trazidos do exterior tinham declaração de preço de US$ 0,27 por unidade.

Estabelecer formalmente um preço de referência sobre as importações era prática comum na década de 80, mas foram proibidos depois das negociações da Rodada Uruguai. Hoje, as regras da OMC dizem que o valor aduaneiro, sobre o qual incide a tributação, deve ser o valor da transação. "Atualmente, preço de referência é uma prática é bastante questionável", diz Rabih Ali Nasser, professor de direito internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A nova tributação específica para importações de vestuário não utiliza os preços de referência diretamente, mas para estabelecer uma tributação em US$/quilo. O governo esclarece que essa tributação é factível, desde que o imposto não ultrapasse o teto máximo fixado em percentagem pelo país nos acordos internacionais, nesse caso 35%, que devem ser aplicados não sobre o preço de referência, mas sobre o valor do produto importado. O governo argumenta, justamente, que dentro das regras da OMC a adoção dessa nova tributação, chamada "ad rem" (sobre a quantidade importada), é possível desde que o imposto não supere o teto máximo "ad valorem" (sobre o valor) fixado nas negociações internacionais. Nasser diz que é difícil avaliar como será possível manter o limite em casos de produtos que chegam ao país com preços muito baixos.

A Receita Federal já estava atuando para elevar os preços das importações de vestuário. Em maio, o órgão aplicou a operação "Panos Quentes", que conseguiu elevar o preço médio da importação de confecções de US$ 9 por quilo para US$ 14. Nesse caso, a Receita informava que era uma operação de valoração aduaneira, quando o preço do produto é corrigido devido a suspeita de que tenha sido feito alguma conta errada pelo importador na hora de somar os custos logísticos ao preço real do produto. Essa prática é autorizada pela OMC. Comumente associada ao combate do subfaturamento, o valoração aduaneira não foi criada para esse fim, já que sub faturamento é crime, esclarece o professor Nasser.

A Receita Federal do Brasil elaborou a lista de preço de referência junto com a Abit com base no preço da matéria-prima que compõe o artigo confeccionado. Sobre ele aplicará uma perda mínima de 15%. Não considerará, para esse efeito, outros custos de produção como como salários, energia, marketing. Com bases nesses argumentos os técnicos oficiais entendem que não haverá contestação na OMC. (Colaboraram Cláudia Safatle e Arnaldo Galvão, de Brasília)