Título: BC perseguirá meta de inflação de 4% em 2009
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2007, Brasil, p. AA

Com apenas três membros, mas dividido entre ortodoxos e não-ortodoxos, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu ontem, de forma conciliatória, definir duas metas paralelas de inflação. A meta oficial para 2009 foi fixada em 4,5%, percentual que era defendido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em um arranjo pouco usual entre os países que adotam o regime de metas de inflação, porém, o governo anunciou que a política monetária será calibrada para atingir uma inflação de 4%, objetivo defendido pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Mantega foi o representante da corrente não ortodoxa no CMN, mas a base teórica da defesa da meta de 4,5% foi do secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, Nelson Barbosa. Nas últimas semanas, circulou no governo um texto dele com o alerta de que, dados os limites do PIB potencial, a economia brasileira terá uma maior pressão inflacionária em 2009. Daí a preocupação em fixar uma meta de 4,5%, com maior folga para a política monetária.

O argumento inverso, dos ortodoxos, é que uma meta de inflação mais baixa não representaria custos adicionais relevantes para a política monetária. A base teórica é um texto dos economistas Afonso Bevilaqua e Mário Mesquita, respectivamente ex-diretor e atual diretor de Política Econômica do BC, segundo o qual, devido à credibilidade do sistema, basta a autoridade monetária anunciar que perseguirá uma inflação mais baixa para o mercado reduzir as expectativas da inflação, tornando esse objetivo auto-realizável.

A decisão do CMN busca compatibilizar essas duas posições antagônicas. O centro da meta foi fixado em 4,5% para garantir uma maior margem de manobra caso, como acham os economistas da Fazenda, haja maior pressão inflacionária em 2009. E o governo decidiu anunciar que o BC irá perseguir uma meta de inflação mais baixa para capitalizar o ganho de credibilidade da política monetária. Ou seja, o CMN espera que a inflação fique de fato mais baixa apenas porque o BC anuncia que irá perseguir um objetivo de 4%.

Mantega era minoria no CMN e conseguiu o acordo intermediário, com a fixação de duas metas paralelas, porque obteve o apoio do presidente Luiz Inácio da Silva. Já o BC é por definição contrário a saídas heterodoxas como a decidida pelo CMN. Mas isso não quer dizer que Meirelles saiu perdendo. Agora, na prática, quem vai ditar as regras na política monetária é o BC. É um alívio para a autoridade monetária que, até então, tinha que explicar porquê a inflação e as expectativas inflacionárias vinham se mantendo constantemente abaixo das metas. Em 2006, o IPCA ficou em 3,14%, ante uma meta de 4,5%. Para este ano, o mercado projeta inflação de 3,59% e de 4% para os dois anos seguintes, para uma meta sempre de 4,5%.

O BC vinha negando que perseguia deliberadamente uma meta abaixo dos 4,5% e sustentava que choques positivos de oferta, que acontecem de forma inesperada, vinham jogando a inflação para baixo. Agora, o BC tem um mandato explícito para buscar em 2009 uma inflação abaixo do centro da meta. Meirelles informou que, quando achar adequado, o BC poderá dizer explicitamente nos seus documentos oficiais que o objetivo a ser perseguido é 4%. Reproduzirá, assim, procedimento adotado em fins de 2004, quando anunciou que em 2005 iria perseguir um percentual de 5,1%, em vez da meta oficial daquele ano, fixada em 4,5%. Bernardo disse que o governo resolveu definir um objetivo de 4% porque esse é a inflação de longo prazo da economia brasileira.

O intervalo de tolerância do regime de metas foi mantido em 2 pontos percentuais, o que significa que a meta de 2009 será cumprida se a inflação ficar dentro da banda de 2,5% a 6,5%. Mantega insistiu que o centro da meta de 4,5% dá maior margem de manobra para acomodar eventuais choques de oferta. Na verdade, a preocupação da Fazenda não são propriamente choques de oferta, mas um possível superaquecimento da demanda em 2009.

Barbosa apresentou em um seminário do Fundo Monetário Internacional (FMI) estudo no qual sinaliza que a economia brasileira poderá estar rodando acima de seu potencial em 2009, produzindo pressões inflacionárias. A sua tese é que o PIB potencial é determinada pelo crescimento efetivo do PIB. Ele sustenta que a expansão da demanda tem de ser conduzida com os devidos cuidados para evitar que a inflação se acelere. Mas chama a atenção para o fato de que, se o BC subestima o PIB potencial, a economia cresce abaixo do que poderia e, mais adiante, o PIB potencial acaba de fato menor.

A Fazenda acha que hoje o BC subestima a capacidade de crescimento da economia, estimando um PIB potencial entre 3,5% e 4%. Por esses cálculos, a economia já estaria perto do limite, e caberia ao BC conter a demanda. Já a Fazenda acha que o PIB potencial gira em torno de 4,5% em 2007 e que subirá para 5% nos anos seguintes, graças ao PAC. Por esta visão, a economia hoje estaria com capacidade ociosa. Haveria espaço, portanto, para mais cortes nos juros básicos, o que faria com que entre 2009 e 2010 a demanda agregada crescesse um pouco acima da capacidade da economia, o que geraria pressões inflacionárias temporárias. Nos anos seguintes, o PIB potencial reagiria, e a economia passaria a crescer em 5% de forma sustentada, sem pressionar a inflação.