Título: Todo poder à direção e à máquina partidária
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Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, Opinião, p. A12

A Executiva do PT deve se reunir na próxima semana para fechar questão em favor das famosas listas fechadas, o novo remédio milagroso sacado das gavetas dos projetos de reforma política no Congresso, que seria capaz de sanar as relações promíscuas entre políticos e poder econômico se acompanhadas do financiamento público de campanha.

Para os pouco familiarizados com esses detalhes da política, "fechar questão" é o termo usado para empurrar goela abaixo da bancada no Congresso a lista fechada, mesmo com um forte núcleo de oposição à medida. Ou vota como o partido quer, ou é expulso. E a tal da "lista fechada" representa uma mudança substancial no processo eleitoral tradicional brasileiro. Ela consiste em que o eleitor deixe de votar num candidato para votar apenas no partido nas eleições proporcionais (para deputados federais e estaduais e vereadores). A legenda apresenta ao eleitor uma lista de possíveis ocupantes das cadeiras e continua com direito às cadeiras correspondentes à sua votação proporcional no Estado ou no município, mas elas são preenchidas de acordo com a lista ordenada, a partir do primeiro nome listado. As convenções partidárias ordenariam as listas, isto é, decidiriam, na prática, quem gostariam que ocupasse suas possíveis vagas na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas ou na Câmara dos Vereadores.

Esclarecidas essas duas questões, volta-se ao PT. Não por acaso, um núcleo de deputados não apóia a lista. Tem razões para isso. A grande crise que o partido enfrentou nos últimos dois anos decorre de um processo de formação de uma oligarquia partidária e do aparelhamento da legenda por algo que, no início, foi uma coalizão de tendências e depois se consolidou numa única tendência, autodesignada Campo Majoritário. Foram os "aparelhos " partidários e os incrustrados em administrações petistas, em última instância, os grandes responsáveis pela crise ética vivida pela legenda. O poder econômico e da máquina podem até tornar poderosos alguns políticos individualmente, mas é fato que alimentam uma oligarquia interna - e não apenas nas eleições, mas nos processos eleitorais diretos para a escolha dos dirigentes. Para as minorias, já não é fácil conseguir uma legenda para um dos seus; e depois, muito menos, obter dinheiro do partido para fazer campanha. Estas são, em regra, as mais pobres. Mas, se um candidato tiver uma forte inserção social, acaba se elegendo.

Imagine-se, no entanto, o ordenamento de uma lista. Pelo projeto, é a convenção partidária que deve fazer isso. Seria teoricamente o mais legítimo, não fosse o fato de que o poder da máquina também faz as maiorias dentro da instância máxima do partido. É difícil imaginar que o Campo Majoritário, por exemplo, que na gestão Berzoini tratou de jogar para debaixo do tapete todos os escândalos em que o partido se meteu, tenha algum prurido de simplesmente excluir as minorias de qualquer possibilidade de obter um mandato parlamentar. Com certeza, as minorias vão para o final da fila - com possibilidade de eleger alguém apenas se houver uma explosão de votos pró-PT.

O maior argumento favorável às listas é o de que os candidatos vão deixar o processo de autofagia que hoje marca uma eleição - onde uns se empenham em roubar o voto dos outros, fazendo de seus companheiros de partidos adversários - e o partido vai marchar unido para as eleições. Por mágica, a lista acabaria com as brigas. Não é bem assim. O que vai acontecer, em especial no PT, é que o processo de autofagia vai ser antecipado, com grandes chances de não apenas inviabilizar suas minorias, mas excluí-las do partido.

É isso o que está em questão na bancada do PT na Câmara, e que a Executiva Nacional ameaça passar o trator por cima. É uma questão delicada, que subentende dar todo o poder para uma direção partidária que, até agora, apenas reiterou o seu compromisso com a máquina, negociou muito pouco internamente e não teve o mínimo pulso para tomar decisões delicadas, que pudessem recompor a imagem do PT e manter sob seu guarda-chuva fundadores, militantes e intelectuais que tiveram uma enorme importância na sua história - e de lá saíram cabisbaixos. Fechar a questão em torno das listas, agora, é enquadrar outros tantos - ou colocar sobre suas cabeças a ameaça de expulsão.