Título: Impulsionando o PAC com capitalismo familiar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, Opinião, p. A12

Em seu recente trabalho, "Dinastias" (Elsevier, 2007), o renomado historiador econômico David Landes, professor emérito de Harvard, aborda um tema que certamente merece a atenção de estudiosos e planejadores brasileiros. Famílias controlam de 60% a 90% do total das empresas no mundo. Dois terços do Produto Nacional Bruto e dos empregos em diversos países são administrados pelas mesmas. A lista da Fortune 500 revela que um terço das quinhentas maiores empresas eram controladas por famílias ao longo da década de 1990. Seu desempenho médio foi superior ao das concorrentes não-familiares para o respectivo período.

Surpresa em tempos de alargamentos, integração e racionalizações dos mercados? Pode-se argumentar que a concepção ideológica da impessoalidade das relações nos mercados tem sua parcela de responsabilidade na ocultação desse fenômeno. A suposta superioridade de uma economia matemática seria abalada pela mão visível das relações sociológicas? Modelos, por mais simples que sejam, certamente ajudam os analistas na compreensão de fenômenos complexos. Problemas econômicos integram o escopo de estudos das ciências sociais, um campo freqüentemente capaz de desafiar os mais elaborados paradigmas.

Trata-se de mais uma oportunidade de reflexão intelectual para o Brasil e América hispânica. O livro de Landes representa uma valiosa contribuição para se refletir sobre as relações pessoais no sistema capitalista. Nesse sentido, há uma implícita convergência teórica com os escritos institucionalistas de Thorstein Veblen e John Kenneth Galbraith. As empresas familiares precisam ser mais bem avaliadas em cada contexto, pois muito do seu comportamento não se baliza exclusivamente pela visão impessoal das relações nos mercados.

-------------------------------------------------------------------------------- Assimetrias do processo de globalização exigem uma postura menos preconceituosa quanto aos negócios familiares --------------------------------------------------------------------------------

Seu grau de entrelaçamento com os interesses públicos, por exemplo, merece um olhar mais atento. Landes analisa uma série de casos do capitalismo contemporâneo (Rothschild, Morgan, Ford, Agnelli, Toyota, Peugeot, Renault, Rockefeller, entre outros). O casamento de interesses públicos e privados, incluindo as contrapartidas de desempenho, a engenhosidade do capitalista e a roda da fortuna ajudam a explicar os distintos sucessos empresariais. Ao crescerem e se diversificarem, as empresas familiares apelam para estruturas profissionalmente gerenciadas. O conselho de administração torna-se então o locus do controle familiar dos negócios, liberando-a para exercer outras funções. Consumo conspícuo e obras de caridade são marcas de muitas dinastias. Fundações filantrópicas, apoio financeiro a pesquisas científicas e a geração de bens públicos são atividades que ajudam a limpar o nome de famílias manchadas por episódios traumáticos do ponto de vista social.

Para a América ibérica, Landes recomenda algo que provavelmente causaria espanto na intelectualidade local: "Esses povos precisam de capitalismo familiar" (p.xvi). Não se trata de propor uma solução organizacional econômica pela tradição em contraposição ao mecanismo de mercado, o que seria certamente causador de inércia. A perspectiva adotada é evolucionária. Os mercados norte-americanos de massa, por exemplo, dificilmente teriam emergido sem o gênio visionário de Henry Ford. Tecnologias de produção sociais e físicas integravam o paradigma fordista. Eram tempos de integração vertical dos negócios, garantindo a necessária previsibilidade para os estrategistas organizacionais. Não se deve olvidar que os debates no Congresso norte-americano questionaram o poder de mercado exercido pelos agentes financeiros. O Federal Reserve System seria criado em dezembro de 1913. Com o progressivo alargamento dos mercados, a reestruturação dos sistemas sócio-econômicos permitiu uma série de ganhos de produtividades. Novos empreendedores emergiram. Ao longo da segunda metade do século XX, o sistema Toyota de produção superaria gradualmente o paradigma da integração vertical. Terceirizações e empresas articuladas em redes são realidades do universo organizacional.

Mas por que começar negócios pelos núcleos familiares? Landes sugere que a vinculação social é capaz de estruturar interesses econômicos melhor do que os mercados sob a realidade da concorrência imperfeita. Uma realidade quando se analisa a diversidade de estruturas de mercados existentes. Em 2003, o retorno médio das empresas familiares norte-americanas foi de 15,6%, contra 11,2% das empresas não-familiares, sendo respectivamente o crescimento anual dos rendimentos 23,4% contra 10,8%. Relacionamentos estruturados por gerações passadas tendem a ajudar o desempenho presente das dinastias. Contatos e informações fazem diferenças na arena econômica. Além do mais, qualquer empirista razoavelmente competente reconhece que os negócios bem-sucedidos dificilmente se enquadram na pureza teórica neoclássica.

As assimetrias do processo de globalização exigem uma postura menos preconceituosa quanto aos empreendimentos familiares. Em um contexto internacional de tantas desigualdades, as formas mais antigas de equacionamento dos graves problemas econômicos se apóiam na confiança e no afeto familiar. Novos e aprofundados estudos nacionais poderiam contribuir para a articulação de arranjos produtivos locais baseados inicialmente nas empresas familiares. Vantagens comparativas dinâmicas são construídas com tempo, esforços e competências técnicas acumuladas.

Se há consenso de que se faz necessário acelerar o crescimento econômico brasileiro, poder-se-ia pensar no capitalismo familiar como uma plataforma de sustentação das políticas públicas locais nas áreas deprimidas. Menos ênfase no programa Bolsa Família e mais crédito e qualificação profissional para a produção nacional. Uma gestão mais progressista do Banco Central do Brasil, ajustada ao presente ciclo de expansão da economia mundial, ajudaria muito.

Rodrigo Loureiro Medeiros é doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ e pesquisador associado à Cátedra e Rede de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável da UNESCO. E-mail: medrodrigo@gmail.com