Título: MST quer ir além da reforma agrária
Autor: Zanatta, Mauro e Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, Especial, p. A14

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) decidiu mudar e ampliar sua pauta de reivindicações para além da reforma agrária. "Se nós ficarmos só com a pauta da terra nós já estamos derrotados", diz o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile. A transformação está refletida até nas palavras de ordem dos encontros. Se não mudar, segundo Stédile, o MST será jogado na vala comum. Em 1985, o primeiro congresso nacional do MST consagrou o lema "Terra na Lei ou na Marra". Neste ano, o quinto encontro roga "Por Justiça Social e Soberania Popular". A nova pauta do MST está focada na mudança do modelo econômico, sem a qual não poderá ser feita a nova reforma agrária, segundo Stédile.

A lista inclui também a defesa de projetos voltados para o meio ambiente e a confrontação do chamado agronegócio, considerado "ambientalmente pernicioso" por Stédile. O ideólogo do movimento diz que o MST "vibrou com a eleição de Lula", pois julgava que representaria uma mudança do modelo. "Ninguém em sã consciência nesse país pode dizer que o governo Lula implementou um outro projeto. O governo Lula não conseguiu mudar o modelo econômico". E emenda: "Temos que refletir agora um outro tipo de reforma agrária, popular, que só se viabiliza se mudar o modelo". Para o MST, no atual modelo "não há lugar para camponês. Seu lugar é na favela ou, se continuar no campo, porque não gosta de morar na cidade, programa de compensação social, como Bolsa Família e aposentadoria no Funrural", resume Stédile. O movimento acredita não bastar mais dividir e ocupar a terra. É necessário um modelo de produção para combinar "reforma agrária popular" com pequenas agroindústrias, com técnicas agrícolas diferentes. Stédile também mantém as críticas ao programa da agricultura familiar (Pronaf) ao lembrar que apenas cerca de 40 mil do total de 1,2 milhão de contratos assinados beneficiam assentados do MST.

Embora duramente questionado pelo MST, o governo insiste que mantém "boas relações" com o movimento. "Nossa relação é boa, apesar das turbulências. Há momentos em que se faz discursos mais radicais em função de uma base heterogênea, mas não considero o MST um adversário", resume o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Ex-braço-direito de Miguel Rossetto no ministério, Cassel diz não haver "crise de relação", mas admite um certo desconforto com as críticas do MST ao presidente Lula. "A posição contra a ida do Lula [ao congresso do MST] não era o que eles vinham manifestando". O MST e o Planalto chegaram a conversar sobre a participação de Lula, mas a conversa acabou, segundo o MST, quando o movimento informou que se tratava de uma reunião interna.

Em algum sentido, Cassel tem razão. O governo Lula tem, de fato, ampliado substancialmente os gastos com reforma agrária desde 2003. As despesas efetivas com organização agrária cresceram de R$ 1,583 bilhão para R$ 3,129 bilhões em 2006, segundo dados do Tesouro Nacional. Os valores, deflacionados pelo IGP-DI/FGV, incluem a obtenção de imóveis rurais para a reforma agrária, a recuperação, qualificação, emancipação, consolidação e investimento em assentamentos, além de concessão de crédito para instalação e aquisição de terras.

Na comparação da dotação orçamentária entre 2005 e 2006, vê-se que os valores saltaram de R$ 2,985 bilhões para R$ 3,081 bilhões. Os números são ainda mais significativos quando se leva em conta a política de bloqueio de gastos pelo governo. Os dados deste período mostram que a execução efetiva do orçamento passou de 89,5% para 94,5%. "Não é verdade que governo tenha apoiado mais o agronegócio em detrimento da agricultura familiar. O subsídio do Tesouro da agricultura familiar chegou a R$ 3 bilhões contra R$ 2 bilhões do agronegócio nos últimos anos", diz o ministro Cassel. Na verdade, os dados do Tesouro indicam um subsídio ainda suculento. Ao longo do primeiro mandato de Lula, foram gastos R$ 7,8 bilhões em financiamento e equalização dos juros com o programa da agricultura familiar (Pronaf), segundo o Tesouro.

Alguns setores do governo vêem a busca de uma nova identidade no MST. A avaliação aponta um "momento de transição" do MST, reflexo da aposta na formação de novos quadros e numa nova estruturação. Alguns auxiliares do presidente Lula enxergam o MST em dificuldades para manter unida e controlar sua base social. Os episódios de invasão das instalações da Aracruz e da usina de Tucuruí seriam exemplo disso. Além disso, a luta sindical deflagrada pelo MST, com o distanciamento da pauta da agricultura familiar, soa "forçada e artificial", segundo avaliação. A avaliação identifica três falhas no movimento que o tem transformado em "refém de seus princípios". O isolamento de parceiros naturais como Contag e Fetraf, ligados à agricultura familiar; as dificuldades para enxergar a nova realidade da Amazônia, já que o MST nasceu no Sul e cresceu no Centro-Oeste; e tentativa de jogar nos adversários a culpa de seus próprios problemas. No MST, Stédile reconhece que a ampliação de bandeiras é também uma maneira de o MST não cair na vala comum dos movimentos sociais de esquerda.

Questionado sobre eventuais negociações para a unificação dos movimentos sociais, Stédile nega, mas afirma que o MST pretende "acumular forças para ter influência sobre eles no momento de ascenso". O líder sem-terra acredita que o movimento popular passa por um "refluxo" desde 1989, mas não sabe avaliar quando ocorrerá este momento que chama de ascenso. "Não temos responsabilidade na unidade das esquerdas. A unidade só acontecerá no longo período histórico de reacenso. Não peçam para o movimento ser padrinho da união, porque não temos nenhum poder milagroso", diz.

Em Brasília, o MST tenta mostrar sua força. Segundo os organizadores, 18 mil delegados de 24 Estados estão reunidos na capital numa área de 31 mil metros quadrados. É a chamada "Cidade de Lona", espalhada em 144 cozinhas, e onde 1,5 mil crianças estão sendo atendidas por 400 professores.