Título: Valorização da rúpia ameaça expansão do setor de TI indiano
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, Empresas, p. B1

A bem-sucedida indústria de tecnologia da Índia começou neste mês uma campanha contra um inimigo inesperado: a valorização da moeda local, a rúpia, que só neste ano cresceu 8% em relação ao dólar, e, segundo afirmou ao Valor o presidente da Associação Nacional de Software e Companhias de Serviços (Nasscom), Kiran Karnik, pode ameaçar os planos de investimentos e expansão mundial das empresas indianas.

"Quase dois terços de nossas exportações de software e serviços baseados na indústria de tecnologia vão para os Estados Unidos, o que explica nossa grande preocupação com a apreciação da rúpia", disse Karnik.

Instalado em uma sala espartana em um prédio modesto, mais semelhante a instalações de universidade pública que a sede da dinâmica indústria de software e serviços indiana, Karnik, físico de formação, informa que, segundo cálculos do setor, a cada ponto percentual de valorização da rúpia as empresas perdem de 0,3% a 0,4% em suas margens de lucro com as exportações de serviços. Com margens entre 18% e 20%, em média, a queda do dólar no mercado indiano ainda não afetou os planos das indústrias indianas para mercados como o Brasil, mas esse momento pode estar se aproximando, alarma-se o executivo.

"Se essa valorização continuar, teremos sérios problemas: boa parte de nossas margens são usadas para expansão do setor e nossa capacidade de expansão pode estar comprometida", diz Karnik. "Esse dinheiro é importante para aquisições do setor; o valor das ações é determinado por lucratividade, e, se apertam as margens, as ações cairão; é um fato", argumenta.

Karnik afirma não ver problemas graves com o aumento no custo de mão-de-obra na Índia, fruto do sucesso do mercado de tecnologia da informação. Engenheiros tornaram-se um produto escasso e disputado pelas empresas, mas os salários locais ainda são competitivos. O salário médio de um engenheiro em início de carreira está em torno de US$ 10 mil por ano, pouco mais de US$ 800 por mês. A tendência é de crescimento; esse valor representa um aumento de quase 1% em relação ao salário de cinco anos atrás.

Grandes empresas agora procuram os prestadores de serviços indianos pela qualidade do serviço, diz o presidente da Nasscom, que acredita estar superada a fase em que as empresas da Índia conquistaram mercado principalmente pelo baixo custo da mão-de-obra. A procura de talentos e especializações em outros países está no centro da estratégia das empresas indianas de tecnologia de informação, como a maior delas, a Tata Consultancy Services (TCS), instalada no Brasil e México, e a Wipro (que começou como empresa de alimentos, tornou-se fabricante de software e é hoje a segunda maior do país na área).

"As empresas estão, agora, buscando proximidade do cliente, talentos e expertise", resume Karnik. A proximidade desejada pelas empresas não é necessariamente geográfica, diz ele; pode ser cultural, o que explicaria a estratégia de fazer do Brasil base para os mercados sul-americanos. Ele diz que os indianos pretendem explorar, no Brasil, o conhecimento adquirido na prestação de serviços ao setor bancário, serviços ambientais e agroindústria. "Estamos procurando áreas como essas, em que se possa confiar na experiência brasileira", diz Karnik.

O Brasil só agora começa a entrar de fato nos planos das empresas indianas de software e serviços de tecnologia de informação. Em maio, a TCS comprou a participação da sócia brasileira TBA na joint venture criada para atuar no país. No México operam pelo menos 10 empresas indianas do setor, e só a TCS tem lá quatro mil empregados, com planos de ampliação para cinco mil. O Chile, com outros quatro mil empregados, é o segundo maior receptor latino-americano dos investimentos da Índia nesse tipo de serviço.

Países como o Brasil atraem o investimento indiano pelo tamanho do mercado, enquanto outros, como o Chile, a Polônia e a Hungria são atraentes pela mão-de-obra qualificada, como base de exploração de outros mercados.

Visto por muitos como um dos motores da expansão econômica na Índia, o setor de serviços vinculado à tecnologia de informação emprega apenas 1,6 milhão de pessoas diretamente, pouco mais de 0,13% da população indiana (número que pode quadruplicar, caso contados os empregos indiretos). A participação do setor no Produto Interno Bruto também é limitada - não mais de 4% do PIB. Para ganhar o impulso que tomou a partir da década de 90, as empresas foram beneficiadas pela privatização das telecomunicações, que saíram de um passado de ineficiência para uma situação de custos decrescentes com serviços como transmissão de banda larga (caíram 20% nos últimos dois anos).

As empresas têm, também, isenção de impostos nas exportações e tarifa zero na importação de equipamentos. Curiosamente, a Nasscom defendeu, e obteve, isenção na importação de software e aproveitou a concorrência para aperfeiçoar os serviços e a qualidade dos produtos locais.

Apesar da valorização gradual da rúpia, acelerada nos últimos meses, o setor cresce de forma explosiva na Índia - 32% só no ano passado. Em 2002, as empresas fixaram uma meta de exportação de US$ 60 bilhões até 2010. Exportavam US$ 6 bilhões, então, e, em 2006, já vendiam US$ 31 bilhões ao exterior. "Até agora, nossa meta estava nos trilhos", contabiliza Karnik, enquanto cobra novas intervenções do Banco Central Indiano, que chegou a comprar US$ 11,9 bilhões em fevereiro, e reduziu as intervenções no mercado a US$ 2,3 bilhões em março, quando a preocupação com a inflação começou a influenciar também as ações da autoridade monetária.

As queixas dos empresários parecem ter tido algum resultado: na sexta-feira, a rúpia teve uma ligeira desvalorização, seguida de rumores sobre pesadas compras por parte dos bancos estatais, que compõem 75% do sistema bancário indiano. Mas, na segunda-feira, para desencanto dos exportadores indianos, o mercado voltou a oscilar, contra o dólar.