Título: A guerra dos sexos na hora de consumir
Autor: Madureira, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, Empresas, p. B6

O Dia dos Namorados mal passou e uma pesquisa feita pelo psiquiatra Luiz Cuschnir, especialista na relação de gêneros do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), faz desvanecer qualquer ilusão feminina quanto ao romantismo dos seus parceiros. A pedido do Valor, o médico ouviu homens e mulheres de diferentes faixas etárias, classes sociais e graus de instrução acerca do que fariam com dinheiro sobrando. A idéia era saber se as respostas tenderiam para o investimento, literalmente falando, na relação do casal e na construção de uma família ou se remeteriam ao consumo individualista. Os resultados não deixam dúvidas de que homens e mulheres continuam tendo prioridades bastante diferentes: enquanto 40% delas investiria em uma viagem a dois, essa opção não foi escolhida por nenhum deles. O mais alto índice (38%) na lista de desejos do sexo masculino foi alcançado pela casa nova, opção apontada por apenas uma entre quatro mulheres.

Mas isso não significa, no entanto, que a diferença de gêneros neste início de século 21 esteja calcada nos estereótipos do homem insensível e da mulher romântica. De acordo com o estudo, um índice quase cinco vezes maior de homens do que de mulheres está disposto a aplicar os reais que sobram em uma viagem com a família. "Para eles, viajar faz sentido se for com todo mundo: filhos, pais, irmãos e também com a mulher, mas não só com ela", diz Cuschnir, que coordena um grupo de pesquisas do Hospital das Clínicas, o Gender Group. É essa necessidade de reafirmar o seu papel como provedor que justifica a escolha primordial pela casa, por exemplo. "O lugar para morar é a segurança básica para eles, sua garantia de independência, estejam morando sós ou acompanhados", afirma o médico.

Na escala masculina de prioridades, a casa e a viagem com a família vêm antes do carro, objeto de consumo historicamente ligado ao universo dos homens. "Eles associam, inconscientemente, o carro à própria potência", lembra Cuschnir. Não por acaso, o índice de importância obtido pelo carro é duas vezes maior entre os homens do que entre as mulheres.

Já investir nos estudos tem um valor duas vezes maior para elas do que para eles. Esta opção e a casa nova foram as mais escolhidas entre as mulheres que estão sozinhas. Ou seja: sem alguém para compartilhar uma viagem romântica, elas preferem investir no imóvel ou nos estudos. Com estas escolhas, segundo Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), vinculado à Fundação Getúlio Vargas (FGV), as mulheres garantem seu espaço e conquistam segurança, independentemente de um marido. "Quanto mais instruídas, mais sozinhas elas estão", diz Neri.

Em comum, tanto homens quanto mulheres não pensam em filhos - ou pelo menos a decisão de tê-los não depende de ter sobra no caixa. Para Cuschnir, este é um traço contemporâneo de ambos os sexos. "Outras prioridades vêm antes dos filhos", diz o psiquiatra. A prova está na queda da taxa de fecundidade no Brasil: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cada mulher tinha em média 6,2 filhos nos anos 40, número que foi reduzido a 2,3 no início do século XXI.

Na opinião do professor André Torres Urdan, do Departamento de Mercadologia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (EAESP-FGV), as pessoas estão muito mais voltadas à satisfação dos seus interesses particulares, o que restringe o lugar do outro no cotidiano - seja de marido e mulher, ou de pais e filhos. "Em uma sociedade mais individualista, o ser humano cede ao apelo de certos bens de vanguarda, sofisticados, para suprir carências de relacionamento", diz Urdan.

A avaliação do professor ajuda a entender os resultados de duas pesquisas estrangeiras divulgadas este ano. Uma delas, feita pela MTV britânica com mil donos de carros com idade entre 16 e 24 anos, mostra que 55% deles consideram seus veículos a prioridade de suas vidas. Apenas 16% colocam a namorada na dianteira da lista. Entre ouvir o ronco de um motor possante e se aninhar ao som do ronronar de uma mulher dois terços ficam com a primeira opção.

Nos Estados Unidos, um estudo da Unilever, com mil mulheres entre 18 e 54 anos, informou que 61% delas consideram mais traumático perder uma peça de roupa favorita do que ficar sem sexo durante um mês. A maior parte também concordaria em se abster de relações sexuais durante quinze meses se, ao final desse período, recebesse um armário repleto de roupas novas. Na média, as entrevistadas mantiveram sua peça de roupa predileta durante doze anos e meio, um ano a mais do que durou a sua relação mais longa.

Cuschnir, que acaba de lançar o livro "A mulher e seus segredos" (Editora Larousse), não acredita que o problema esteja vinculado à falta de afeto. No estudo brasileiro o psiquiatra deu aos entrevistados a opção de comprar carros ou roupas com o dinheiro a mais. Mas nem uma coisa nem outra foi prioridade. "Mesmo quando acontece a escolha pelo carro ou pela roupa nova, isso apenas camufla o desejo pelo outro", diz o especialista, para quem tanto o homem quanto a mulher usam os objetos como chamariz da atenção do sexo oposto.

Letícia Casotti, professora de marketing do Instituto Coppead de Administração, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda. "O ser humano é gregário e traz uma necessidade intrínseca de se relacionar", diz. "A diferença é que se antes ele buscava alguém para construir algo, hoje ele acredita que os bens de consumo podem lhe ajudar a conquistar alguém".