Título: Carvalho, Maria Christina
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, Finanças, p. C5

A prolongada batalha pelo controle do ABN AMRO esquentou a disputa pelos clientes de alta renda no mercado brasileiro. O banco holandês tem uma das maiores fatias desse segmento no país. Alguns concorrentes apostam que a indefinição sobre o futuro controlador do banco facilite suas investidas e estão renovando as ofertas. O ABN AMRO Real já contra-ataca.

No ano passado, houve um movimento semelhante sobre os clientes do BankBoston, também forte no segmento, adquirido pelo Itaú. A expectativa dos concorrentes era que os clientes de alta renda preferissem continuar em um banco internacional. O Itaú garante que o índice de retenção de clientes do BankBoston foi bem elevado, acima de 90%.

Apesar de representar a menor fatia da sociedade, a alta renda é disputada pelos bancos porque consome mais produtos. A disputa esquenta porque esse é um segmento relativamente estável em número de participantes. "É um jogo de rouba monte", disse um executivo da área.

De acordo com pesquisa realizada neste ano pelo Instituto Ipsos para a financeira Cetelem, as classes A e B ganharam 6,4 milhões de pessoas entre 2005 e 2006, atingindo 32,8 milhões. Apesar disso, representam apenas 17,8% da população. Mas, segundo algumas fontes, concentram metade do consumo. Nem todos, é claro, estão dentro da população economicamente ativa (PEA), que totaliza aproximadamente 75 milhões de pessoas.

O universo elegível para a alta renda, segundo os bancos, é de cerca de 2,5 milhões de pessoas. Como esses clientes têm em média duas contas, somam 5 milhões de contas bancárias.

O ABN AMRO Real afirma deter 800 mil clientes de alta renda, segmento chamado de Van Gogh pelo banco e que abrange pessoas com renda média superior a R$ 4 mil. Essa carteira seria equivalente a 30% do mercado. O superintendente do segmento Van Gogh do ABN AMRO Real, Robert Wieselberg, acredita, porém, que o "bolo é maior do que o estimado". O banco, disse, cresceu "25% sobre 2006 que já cresceu 25% sobre 2005".

Ciente da cobiça dos concorrentes, o ABN AMRO Real está expandindo a rede de atendimento, não suspendeu demais investimentos e está contatando a clientela para reforçar a oferta de serviços e produtos. Os chamados espaços Van Gogh, área especial para a alta renda inserida em uma agência normal, estão sendo multiplicados. Dos atuais 80 chegarão a 100 até o fim do ano.

Lembrando a disputa que já houve pela carteira do BankBoston, Wieselberg afirmou que o cliente de alta renda pode ter conta corrente em até dois ou três bancos mas centraliza o relacionamento na instituição em que se sente melhor tratado. E sai ganhando, acrescentou, o banco que apresentar uma proposta diferenciada. Ele garante que o cliente do Van Gogh espera que os desdobramentos da negociação em curso na Europa não altere os serviços que recebe.

O diretor-executivo do Bradesco, Odair Rebelato, afirmou que não é fácil "tirar um cliente de alta renda de outro banco. Ele tem um comportamento diferente do cliente a ser bancarizado em que quem chegar primeiro leva".

Um comportamento observado por Wieselberg é que o cliente de alta renda está tomando crédito para consumir e mantendo os investimentos feitos. Por isso, "deve estar consumindo mais e com uma pujança maior do que a estatística". Esse cliente toma, por exemplo, o crédito rotativo e parcelado, que tem um limite de até R$ 50 mil por 36 meses e taxa de até 2% ao mês. "A tomada de crédito resulta de uma decisão consciente de antecipar um sonho de consumo, como a compra de um automóvel ou de casa. Não é para cobrir um buraco", disse. Isso é possível, explica o superintendente, porque os limites e os prazos se alongaram.

Assim, o cliente consumo crédito e investe ao mesmo tempo. Na área de investimento, observa-se uma migração para a renda variável, especialmente de produtos com garantia do capital investido. Um fundo lançado com esse desenho, informou, esperava captar R$ 200 milhões em 45 dias mas atingiu o alvo em dez dias. O cliente de perfil mais conservador agora experimenta mais o risco.

Com a compra do BankBoston, o Itaú aumentou em 95,3% a carteira de clientes de alta renda, qualificados como Personnalité pelo banco, atingindo a marca de 403,1 mil no final do ano passado. O número soma os 180,7 mil do BankBoston aos 222,4 mil do próprio Itaú. Sem a aquisição, o banco teria ampliado em 7,7% essa carteira. Para o Itaú, o cliente Personnalité tem renda média mensal de R$ 5 mil ou investimento a partir de R$ 50 mil.

A rede de atendimento especializado também cresceu com a aquisição: às 100 agências Personnalité do Itaú foram somados 66 pontos do BankBoston. O Itaú fez questão de manter os pontos do BankBoston mesmo em locais onde havia agência próxima do Personnalité, conservando também a equipe de atendimento. Só a fachada foi alterada.

O banco garante que reteve praticamente toda a clientela de alta renda do BankBoston que ganhou acesso não só à rede ampliada do Personnalité mas também à toda rede do Itaú, com suas 3 mil agências e 23 mil caixas eletrônicos. Em informação enviada pela assessoria de imprensa, o banco informou que continua ampliando a rede neste ano e enfatizando a integração dos clientes de origem no BankBoston.

No Bradesco, a carteira de alta renda, denominada Prime, abrange cerca de 400 mil clientes. O enquadramento leva em consideração a renda, acima de R$ 6 mil, mas não apenas isso, alertou o diretor-executivo do banco, Rebelato. A rede do segmento Prime compreende 212 agências e deve chegar a 230 até o final do ano, adiantou.

Para Rebelato, treinamento do pessoal de atendimento é um dos fatores mais importantes para conquistar e fidelizar a clientela de alta renda. "Esse segmento exige um consultor para orientá-lo" sobre alternativas de investimento, de crédito e oportunidades de negócios. Assim como Wieselberg, Rebelato nota o interesse da alta renda por alternativas de crédito com taxas atraentes, inclusive para suas atividades profissionais. Por isso demanda informações sobre leasing, repasses do BNDES e crédito rural, disse. "O produtor de soja de Mato Grosso mora muitas vezes em São Paulo", observou.

Com a estabilidade da moeda, há também maior propensão a assumir riscos. Daí o interesse pelo mercado de ações e a exigência de pessoal especializado para orientar o cliente. Rebelato afirmou que um pontos fortes do Bradesco no segmento foi ter agregado o cartão American Express, percebido como um diferencial real pelo segmento.

Dois bancos que estão reformulando a área são o Banco do Brasil (BB) e o HSBC. O Banco do Brasil vai garimpar em sua enorme base de 25 milhões de clientes os 700 mil que considera elegíveis para o segmento de alta renda, atualmente circunscrito a cerca de 400 mil.

O HSBC prepara o relançamento a nível mundial do segmento Premier, uma das primeiras tarefas de Paulo Maia, o novo responsável pelo varejo do banco também chamado de "personal financial services" (ver abaixo).

O HSBC aposta em sua rede internacional para atrair a clientela, prometendo o mesmo tratamento nas agências Premier e o saque de dinheiro em caixa automático em qualquer parte do mundo; e uma atenção especial nos aeroportos. Pelos critérios do banco, o segmento Premier inclui clientes com renda média acima de R$ 5 mil e investimentos superiores a R$ 50 mil.

Para Maia, esse segmento está "carente de serviços com a saída de alguns bancos e fusões e aquisições. Vimos então uma oportunidade de nos posicionarmos".

Um dos primeiros movimentos do banco para isso é a ampliação da rede de atendimento, o HSBC Premier Center, que chegará a 200 até o final do ano, incluindo os espaços compartilhados em agências normais.