Título: Eletronuclear cuidará dos rejeitos de Angra 3
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2007, Brasil, p. A5

A Eletronuclear e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) se comprometeram a dar uma "solução" aos rejeitos nucleares para obter, dos ministros que integram o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o sinal verde à retomada da usina de Angra 3. O temor com relação ao destino dos resíduos, bem como o risco de futuros acidentes, foi o principal argumento do Ministério do Meio Ambiente - único voto contrário no CNPE - para desaprovar a conclusão da nova usina nuclear.

Dois compromissos da Eletronuclear, junto com a CNEN, foram apresentados para o tratamento e armazenamento do lixo radioativo. O primeiro é de construir, antes da entrada em operação de Angra 3, prevista para 2013, um depósito definitivo dos rejeitos de baixa e média radioatividade (como luvas, aventais, resinas de purificação de água e filtros de ar). As duas primeiras usinas - Angra 1 e 2 - têm depósitos iniciais desse tipo de material. O mesmo sistema será usado inicialmente em Angra 3, mas em cerca de dois anos deverá haver todas as definições sobre a acomodação definitiva do lixo.

Hoje, o município de Abadia de Goiás já possui um depósito definitivo, mas restrito a materiais usados em hospitais e laboratórios. O projeto da Eletronuclear e da CNEN é para um depósito do material gerado pelas usinas nucleares - cerca de 75% de todo o lixo radioativo do país. A localização do projeto ainda não está definida, mas tudo leva a crer que será na própria Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, em Angra - fora, no entanto, das instalações físicas das usinas.

O segundo compromisso foi o de encontrar uma forma segura de armazenamento dos rejeitos de alta radioatividade (sobras do combustível usado na geração de energia). Durante toda a vida útil de cada usina, esses rejeitos são acomodados em piscinas. Num primeiro momento - cerca de dez anos -, em piscinas especiais com resfriamento. Em seguida, podem ser acomodados a seco ou em piscinas convencionais. O problema é o que fazer depois, quando as usinas são desativadas - ou "descomissionadas", no jargão do setor. O material continuará sendo radioativo por milhares de anos, mas é preciso dar um destino ao lixo. No caso de Angra 1, a mais antiga das usinas nucleares brasileiras, é um problema para daqui a 20 ou 30 anos. Com a modernização da usina, o descomissionamento está previsto somente para 2042.

Ocorre que, para tomar uma decisão sobre a retomada de Angra 3, é preciso vencer, agora, as resistências da área ambiental e as dúvidas do restante do governo sobre o assunto. Para isso, Eletronuclear e CNEN assumiram o compromisso de construir um "depósito intermediário de longa duração". É um projeto de longo prazo, atualmente em fase de concepção, para definição apenas na próxima década. Deverá custar algumas dezenas de milhões de reais - não mais que uns R$ 40 milhões, segundo avaliações de técnicos diretamente envolvidos no empreendimento.

Esse depósito garantirá a armazenagem segura dos rejeitos, segundo os técnicos, por até 500 anos. As instalações idealizadas não são fisicamente grandes - todo o lixo de alta radioatividade de Angra 1, em sua vida útil, será de somente mil metros cúbicos. Os rejeitos serão acomodados em cápsulas, lacradas e soldadas, de aço inoxidável. Em seguida, irão para uma espécie de "caverna", com estrutura de granito, para isolar totalmente essas cápsulas do solo. "É como uma colméia", diz um técnico, esclarecendo que não se trata de uma solução definitiva, mas adiando o problema "por 500 anos e com responsabilidade".

Uma alternativa ao armazenamento dos rejeitos é reprocessar o combustível usado para que seja aproveitado novamente na geração de energia. Países como França, Japão e Suíça decidiram fazer isso. O reprocessamento permite separar o urânio do plutônio, diminuindo em cerca de 90% o volume do resíduo. O restante terá que ser acomodado como lixo definitivo - bem como, mais adiante, o material reaproveitado. Outros países - Suécia e Finlândia - optaram por não fazer o reprocessamento e estão construindo depósitos definitivos (subterrâneos).

A Eletronuclear também avisou que manterá o contrato com a Andrade Gutierrez, celebrado na década de 1980, para as obras civis de Angra 3. Esse contrato, porém, deverá ser renegociado, para mudanças dos valores, após 21 anos de paralisação das obras. A estatal lançará novas licitações para comprar componentes mecânicos da usina, como vasos, tanques, trocadores de calor, sistemas de ventilação. O presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, acredita que a retomada de Angra 3 poderá movimentar cerca de R$ 3 bilhões em encomendas de bens e serviços. A entidade considerou positiva a decisão do governo.

A Abdib acredita que há viabilidade ambiental, tecnológica e tarifária para retomar as obras da usina nuclear, que terá potência de 1.350 MW. Godoy disse ainda que outro importante fator é a manutenção do conhecimento e da tecnologia já desenvolvidos por vários anos no Brasil pelas empresas de engenharia de projeto. Se o país perder essa base de conhecimento, no futuro, quando de decisões de ampliação da capacidade de geração de energia por fonte nuclear, será necessário contratar esses serviços fora do Brasil, concluiu.