Título: Índianos querem transferência de tecnologia para etanol
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2007, Brasil, p. A6

A pregação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou, na Índia, uma platéia acolhedora, alimentada pelo forte interesse por parte do governo indiano em projetos conjuntos no setor e pela curiosidade dos empresários da Índia em relação a negócios com biocombustível.

No banquete em honra ao presidente brasileiro, oferecido ontem à noite pelo presidente indiano, Abdul Kalam, o presidente e o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, foram solicitados a dar lições sobre os carros bicombustível (flexfuel) e o crédito agrícola a pequenos agricultores, uma necessidade no país que tem 60% de sua população na área rural, em situação de pobreza.

O tema também dominou o encontro de altos executivos no Fórum de Lideranças Empresariais criado pelos dois países, onde os empresários indianos pediram explicações sobre a regulamentação brasileira para o biocombustível. "Os produtores de açúcar na Índia estão interessados em transferência de tecnologia para produção de etanol aqui no país", comentou o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, co-presidente do Fórum, , com o indiano Ratan Tata.

Lula aproveitou para afinar, com o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, o discurso que pretende levar, amanhã, para a reunião do G-8, o grupo dos países mais poderosos do mundo, na Alemanha - da qual participarão Brasil, Índia e outros três países de economia emergente. O presidente vincula o programa de biocombustíveis ao esforço para reduzir o aquecimento global e à busca de alternativas para as economias mais pobres da Ásia e América Latina, dois temas de sucesso na opinião pública mundial.

No comunicado conjunto, a ser divulgado hoje por Lula e Singh, ambos dedicam 2 dos 23 parágrafos ao tema. Defendem, como forma de enfrentar a mudança climática, o uso de "fontes limpas e renováveis para a matriz energética mundial", para eficiência e segurança energética e biocombustíveis.

Eles também comemoram iniciativas como o Fórum Mundial de Biocombustíveis e o acordo bilateral sobre mistura de etanol à gasolina, apresentados como passos para o uso de energia limpas e criação de um "mercado internacional do etanol", capaz de reduzir a dependência global de combustíveis fósseis.

Lula foi ainda mais explícito em um artigo publicado no jornal inglês "The Guardian", no qual defende sistemas de certificação rigorosos, por acordos internacionais, para garantir padrões trabalhistas e ambientais aceitáveis. Argumenta que a adoção de biocombustíveis ajudará o combate à pobreza nos países menos desenvolvidos e defende que as vantagens do combustível "limpo" dependem da criação de um mercado padronizado para o etanol e biodiesel, e a abertura dos mercados dos países ricos para esse tipo de combustível.

"Se depender do nosso entusiasmo, todo mundo vai entrar na era do biocombustível, é irreversível", comemorou Lula, ao sair do hotel onde se hospedou, para o jantar com as autoridades indianas. "O Brasil não quer fornecer para todo mundo, quer incentivar os países pobres para que tenham onde plantar", comentou. "Imagina se o mundo inteiro utilizar 10% de biodiesel com o óleo diesel."

Apesar da ausência dos maiores empresários do setor, que preferiram prestigiar o encontro mundial do etanol, em São Paulo, consultores e empresários de menor porte incorporaram-se à comitiva do presidente Lula, para buscar negócios na área do etanol. "Temos um contrato de fornecimento de 5 milhões de litros de etanol brasileiro à Índia, estamos buscando formas de aumentar isso", comentava, no mesmo hotel onde se hospedou Lula, o presidente da Grade Trading, Gilberto Vitniski. "A Índia é uma opção viável, porque não vai haver mercado interno para todo o álcool produzido no Brasil", prevê. "Existem 123 usinas a entrar em funcionamento em três anos, que se somarão às cerca de 210 em operação hoje", contabiliza o empresário.

Os indianos procuram formas de se associar a usinas brasileiras para produção de álcool no Brasil, mas ainda são céticos em relação ao mercado de exportação do produto, alerta o advogado Halley Henares, de Nova Déli, para atrair investidores.

Há investidores analisando o mercado brasileiro há três anos, e a insistência deles em pagar menos pelo fornecimento de cana que concorrentes como os europeus pode levá-los a áreas ainda pouco exploradas, como o Estado do Tocantins, acredita Henares. "Falta ainda aos indianos maior conhecimento do mercado, para investirem com menos risco", explica o advogado. (SL)