Título: Judiciário da Bolívia faz greve contra o governo
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Fonte: Valor Econômico, 05/06/2007, Internacional, p. A15

O presidente da Bolívia, Evo Morales, e o Judiciário do país estão em meio a um confronto que se agrava ainda mais hoje, quando a Justiça entra em greve de 24 horas. O movimento dos juízes protesta contra o que chama de interferência de Morales no Judiciário e de tentativa do presidente de aumentar seus poderes. Alguns analistas apontam vêem no confronto um paralelo ao que ocorreu na Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez reformou o Judiciário nomeando juízes alinhados a ele.

A disputa começou em 9 de maio, quando a Corte Constitucional considerou ilegal a nomeação, feita no ano passado por Morales, de quatro juízes para a Suprema Corte. A Justiça no país é administrada pela Suprema Corte, com sede em Sucre, composta por 12 magistrados votados pelo Congresso para um período de dez anos; além dela, o sistema conta com uma Corte Constitucional, um Conselho Nacional do Judiciário e nove cortes distritais (estaduais).

O presidente pediu uma CPI sobre a sentença e endureceu o tom em relação ao Judiciário, acusando os juízes de tentarem perturbar suas reformas - que incluem a nacionalização dos recursos energéticos, uma maior taxação da mineração e uma reforma agrária - e de se alinharem à oposição de direita.

"Eu me sinto compelido a lhes dizer a verdade sobre o Judiciário: a maioria não está nos deixando implementar as reformas profundas", disse Morales.

A Suprema Corte respondeu dizendo que as declarações eram "caluniosas e irresponsáveis". Na semana passada, o juiz da Suprema Corte Juan José Gonzales renunciou ao cargo, citando "o reiterado questionamento ao trabalho do Judiciário" como a maior razão.

Alguns observadores realmente acham que Morales está tentando ampliar seus poderes. "O governo quer controlar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário", disse Mario Galindo, professor de Política da Universidade Maior de San Andrés, em La Paz.

Galindo, que já foi responsável por um programa governamental de reforma do Judiciário, disse que o nepotismo e a corrupção são comuns nos tribunais. Mas, segundo ele, Morales está em disputa com o Judiciário não só porque os juízes "são relutantes à mudança, mas porque quer controlar o Judiciário em vez de reformá-lo".

Outros analistas apontam o projeto de lei da Justiça Comunitária como uma forma de Morales esvaziar o poder do Judiciário.

A lei prevê que as decisões coletivas tomadas por autoridades indígenas e camponesas "sejam de ordem pública e de cumprimento obrigatório". As decisões obedecerão às "normas internas" e "práticas tradicionais para os membros dos povos indígenas originários e das comunidades camponesas e não poderão ser submetidas posteriormente a nenhuma autoridade judicial nem administrativa". A lei veta a pena de morte, mas não o castigo físico. Os indígenas representam cerca de 60% da população total da Bolívia.

(Com agências internacionais)